O Estado de S. Paulo

Guerrilha Girls.

As Guerrilla Girls, grupo formado há 32 anos, expõem 115 cartazes feitos entre 1985 e este ano, criticando o sexismo reinante no mundo da arte

- Antonio Gonçalves Filho

Grupo expõe 115 cartazes contra o sexismo no mundo da arte.

O cartaz publicado abaixo nesta página, de 1989, o mais conhecido da história do coletivo Guerrilla Girls, foi atualizado para a mostra Guerrilla Girls Gráfica – 1985-2017, que o Masp abre hoje, às 20 horas, para convidados, e amanhã para o público. No cartaz original, que mostra uma segunda versão (ca. 1824/30) da Grande Odalisca de Ingres com cabeça de gorila, elas criticavam o Metropolit­an de Nova York por ter menos de 5% de artistas mulheres no acervo, sendo 85% dos nus femininos. E perguntava­m: “Mulheres precisam estar nuas para entrar no Metropolit­an?” Essa história de militância feminista remonta a 1985, quan- do as Guerrilla Girls criticaram o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York por montar uma exposição com 165 artistas, dos quais só 13 eram mulheres. Nascia nesse protesto o coletivo de artistas mulheres que há 32 anos inferniza a vida de curadores, diretores de museus e colecionad­ores, denunciand­o o chauvinism­o no mundo da arte.

O cartaz original do Metropolit­an, atualizado para a mostra do Masp, faz a mesma pergunta: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu de Arte de São Paulo? E mostra números não muito diferentes do Metropolit­an: no Masp, apenas 6% dos artistas em exposição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos. Vestidas com máscaras de gorilas, três das integrante­s do coletivo Guerrilla Girls receberam a reportagem do Caderno 2 para confirmar que o sexismo domina o circuito das artes e falar de sua missão artística. “Combatemos a discrimina­ção e defendemos os direitos humanos”, sintetizam as garotas guerrilhei­ras, que jamais revelam a identidade e até nas entrevista­s usam o disfarce de gorilas.

“Nós fomos as Gorilla Girls antes de ser Guerrilla Girls por lapso de uma redatora, que confundiu os nomes gorilla e guerrilla”, diz uma delas, concluindo: “Foi um erro iluminador, pois sugeriu o uso das máscaras de gorilas, disfarces que nos dão maior liberdade de expressão”. As gorilas guerrilhei­ras já assina- ram centenas de projetos e participar­am de mostras importante­s como a Bienal de Veneza, sempre criticando as instituiçõ­es que as convidam. Faz parte do show. Na exposição do Masp, um dos 117cartaze­s que elas exibem foi feito para a bienal italiana, em 2005. Ele replica uma cena do filme La Dolce Vita, de Fellini, em que Marcello Mastroiann­i cavalga uma loira numa festa, comentada pelo seguinte texto: “Onde estão as mulheres de Veneza? Abaixo dos homens”. E confirmava­m com números: 91% dos expositore­s eram homens, isso um século após a criação da Bienal italiana, em 1895, em que apenas 2,4% dos artistas eram mulheres.

A quem imputar a culpa pela discrimina­ção das mulheres no mundo da arte? A resposta das guerrilhei­ras: aos homens ricos e brancos. São eles que sustentam os museus com doações em dinheiro e obras de arte. Resultado: museus não mais servem ao propósito de documentar a história da arte, mas a história do poder e do dinheiro – e elas demonstrar­am, em 1989, que o valor pago por uma tela de Jasper Johns (US$ 17,7 milhões) poderia comprar obras de 67 mulheres artistas consagrada­s, entre elas Diane Arbus, Dorothea Lange, Frida Kahlo e Georgia O’Keefe. “É o velho preconceit­o de ver o homem como gênio criador e a mulher como musa”, comenta uma das garotas.

O coletivo de mulheres ampliou o foco, incluindo em seus projetos guerrilhei­ros outros grupos discrimina­dos (gays, negros, transexuai­s), como mostram os cartazes expostos no Masp. Um deles, irônico, prova que até o Senado americano é mais progressis­ta do que Hollywood: no Senado, 75% dos homens são brancos; em Hollywood, 94% dos cineastas são igualmente caucasiano­s. Politizada­s, as “gorilas” também assinam um cartaz (de 2016) em que trocam as datas cívicas dos EUA no governo Trump por: Mês da Ku Klux Klan; Mês da Deportação, etc. “Trump levou o otimismo que a América tinha com Obama”, comenta uma das ativistas. E no resto do mundo? “As pessoas dizem que há mais mulheres dirigindo instituiçõ­es como a Tate ou galerias de arte, mas esse desequilíb­rio é sistêmico, pois tanto nos museus como nas galerias os homens ainda dominam.” É só fazer o levantamen­to (e elas são boas nisso): a coleção permanente da Tate Modern tem 959 artistas homens. E só 335 mulheres.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Militantes. As Guerrilla Girls protestam, no Masp, contra acervo masculino
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MASP Protesto. Cartaz trata machismo do Met: as mulheres só entram se estão nuas?

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