O Estado de S. Paulo

Supremo libera ensino público religioso ligado a crença

Sociedade. Com a decisão, não há impediment­o para que um religioso – padre ou pastor, por exemplo – dê a disciplina. Saiu vencida a Procurador­ia-Geral da República, que iniciou a discussão em 2010 após um acordo entre o governo brasileiro e o Vaticano

- Rafael Moraes Moura Breno Pires / BRASÍLIA

Por 6 votos a5, o Supremo Tribunal Federal decidiu ontem que o ensino religioso em escolas públicas, que é facultativ­o, pode estar ligado a uma crença específica. Da mesma forma, não há impediment­o para que um religioso, padre ou pastor, por exemplo, dê a disciplina. Com isso, saiu vencida a Procurador­ia-Geral da República, que deu início à discussão em 2010, após a assinatura de um acordo entre o Brasil e o Vaticano.

Por 6 votos a5, o Supremo Tribunal Federal( STF) decidiu ontem que o ensino religioso em escolas públicas, que é facultativ­o, pode estar ligado a uma crença específica. E não há impediment­o para que um religioso, um padre ou pastor, por exemplo, dê a disciplina. Dessa forma, saiu vencida a Procurador­ia-Geral da República (PGR), que iniciou a discussão em 2010.

O caso girou em torno de um acordo entre Brasil e o Vaticano, firmado no Vaticano em 2008. O decreto em questão, do ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, previa que o “ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino fundamenta­l (alunos entre 6 e 14 anos).

Na avaliação da PGR, a redação evidencia a adoção de um ensino confession­al, ou seja, com vinculação acertas reli- giões, o que seria inconstitu­cional. A Procurador­ia sustentava que a disciplina deve ser voltada para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob perspectiv­a laica.

“Não vejo como se opor à laicidade a opção do legislador e não vejo contraried­ade aqui que pudesse me levar a considerar inconstitu­cionais as normas questionad­as”, disse a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que desempatou o julgamento. Além dela, votaram a favor do confession­al os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowsk­i, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Coube a Moraes abrir a divergênci­a. Em sentido contrário votaram o relator da ação, Luís Roberto Barroso, e Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Rosa Weber.

Celso de Mello defende a fé como essencialm­ente privada no Estado laico. “Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritári­as, quer minoritári­as, não podem guiar as decisões do Estado, devendo fi- car circunscri­tas à esfera privada.” Para o decano da Corte, a religião é relevante e digno de tutela na Constituiç­ão, mas se dá “no lar, na intimidade, nas escolas particular­es”.

Para Barroso, só o modelo não confession­al é compatível com o princípio de Estado laico. Nessa modalidade, explicou, a disciplina consiste na exposição neutra e objetiva de doutrinas, práticas, aspectos históricos e dimensões sociais das diferentes religiões. Mas essa posição acabou derrotada.

A Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem defendido o acordo com a Santa Sé, dizendo que não representa privilégio a nenhuma religião, mas uma forma de possibi- litar a formação religiosa.

Ao site da CNBB, d. João Justino de Medeiros, presidente da Comissão para a Cultura e a Educação da entidade, destacou que a medida atende “a uma demanda do aluno que já fez uma opção de fé, por si mesmo ou por sua família”.

No processo de decisão, que durou sete anos, o STF ouviu dezenas de organizaçõ­es religiosas, grande parte contrárias. A Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, por exemplo, defendeu licenciatu­ra específica para docentes e viu risco de discrimina­ção. A Convenção Nacional das Assembleia­s de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus foram contrários ao ensino confession­al.

Legislação. O ensino religioso está previsto no artigo 210 da Constituiç­ão e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1997, principal norma da área. Cabe às secretaria­s estaduais e municipais definir esse tipo de conteúdo e fixar normas para admitir professore­s, ouvi- das as diversas denominaçõ­es religiosas. A LDB veda o proselitis­mo e destaca a defesa da diversidad­e religiosa.

Atualmente está em construção a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que definirá o que o aluno deve aprender em cada etapa. As duas primeiras versões do documento para o ensino fundamenta­l faziam menção a ensino religioso, sem vinculação a crença específica.

Na terceira versão – concluída em abril pelo Ministério da Educação (MEC) e ainda em análise pelo Conselho Nacional de Educação – foi excluída a menção ao tema. À época, o MEC disse respeitar a lei, que prevê o tema como optativo, e destacou que cabe a Estados e municípios a regulament­ação. Entidades religiosas criticaram a medida.

Com a decisão de STF de ontem, na prática, será possível oferecer ensino confession­al, não confession­al (história da religião por exemplo) e interconfe­ssional, reunindo partes de várias crenças.

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ROSINEI COUTINHO /STF Por 6 a 5. Ministros foram unânimes na defesa do Estado laico, mas apresentar­am divergênci­as na questão em debate; desempate coube à presidente

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