O Estado de S. Paulo

Implantara­m um troço no cérebro do macaco e a preguiça cumpriu sua missão histórica.

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Li que implantara­m um troço no cérebro de um macaco e ele conseguiu mexer outro troço com o pensamento. Um eletrodo acionado por neurônios, ou coisa parecida, permitiu ao macaco deslocar um objeto a alguns metros de distância só com a sua vontade. De certa maneira, isso é o fim de um ciclo que começou na primeira vez em que um hominídeo pensou na possibilid­ade de afetar algo distante dele sem sair do lugar. Pode-se resumir o desenvolvi­mento da humanidade e da sua ciência no cumpriment­o dessa vontade de não precisar ir lá. A penúltima fase do processo foi o controle remoto. A última, lógica, fase será a da telepatia. Hoje o macaco, amanhã nós todos.

Sempre defendi a tese de que foi a preguiça que trouxe a civilizaçã­o. O que foi a invenção da roda senão o prenúncio da charrete e um triunfo do comodismo? Fomos a primeira espécie a criar um jeito de não ir, mas ser levada. A razão do hominídeo para deflagrar o processo que resultou no controle remoto foi prática, a de atingir uma presa sem se arriscar a ser mordido, ou almoçar sem ser almoçado. O primeiro lance do longo processo que terminou com o implante no cérebro foi a pedra arremessad­a. Depois vieram a lança, o estilingue, o arco e a flecha, a catapulta, as armas de fogo, o foguete interconti­nental, o drone – todos engenhos para evitar chegar perto.

A distância sempre foi um inimigo natural do Homem, ou pelo menos do Homem Preguiçoso. Vencê-la foi o nosso grande desafio intelectua­l, e agora se abre a possibilid­ade de subjugá-la só com o intelecto, desprezand­o os instrument­os que, da pedra à internet, nos ajudaram até aqui. Estamos simbolicam­ente de volta à savana primeva, pensando em como empurrar aquele mamute para dentro do fosso sem precisar ir lá, mas agora o pensamento basta. A vontade se realizará sozinha, sem as mãos, sem mais nada. A preguiça cumpriu sua missão histórica.

Agora, só precisamos encontrar um jeito de pedir ao macaco que mexa alguma coisa por nós.

Tchau. Aos meus 17 leitores: vou sair em férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 26/10. Tchau.

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