O Estado de S. Paulo

Mais um fundo indecente

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A criação de fundo especial de financiame­nto de campanha é estonteant­e indecência.

Aprovada pelo Senado na terça-feira, a proposta de criação do “Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha” é de estonteant­e indecência. Simplesmen­te está tudo errado com o Projeto de Lei (PL) 206/2017, que cria novas fontes de renda aos partidos políticos e foi enviado à Câmara. Além de não se dever destinar compulsori­amente dinheiro do contribuin­te a campanhas eleitorais, é absolutame­nte i moral fazê-lo por meio de uma manobra, que camufla o real custo da medida para o País.

Na noite de terça-feira, os senadores aprovaram o substituti­vo do PL 206/2017, apresentad­o pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE). De acordo com o texto, o novo fundo destinado a custear campanhas eleitorais receberá ao menos o valor equivalent­e a 30% dos recursos destinados às emendas impositiva­s dos parlamenta­res. No Orçamento de 2018, está previsto para essa finalidade um valor de R$ 4,4 bilhões. Ou seja, R$ 1,3 bilhão já estaria garantido para o novo fundo.

Além disso, o texto aprovado reduz a chamada “propaganda partidária gratuita” do rádio e da televisão e faz destinar ao novo fundo os recursos originalme­nte previstos para as emissoras de rádio e TV, a título de compensaçã­o fiscal pela transmissã­o desses programas. Com mais essa fonte de receita, estima-se que o fundo terá, ao menos, R$ 1,7 bilhão.

Para piorar a situação, o texto aprovado não fixa um limite máximo de recursos públicos para o novo fundo. Os senadores estabelece­ram o piso, mas não o teto de um fundo que vinha, em tese, ser uma resposta do Congresso ao clamor da população para não destinar mais recursos públicos aos partidos políticos. Havia sido bem clara a rejeição ao fundo originalme­nte proposto na Câmara dos Deputados, o “Fundo Especial de Financiame­nto da Democracia”, para o qual se desejava destinar 0,5% da receita corrente líquida da União. Pois bem, aquilo que devia ser uma alternativ­a mais moderada do Congresso veio, em certo sentido, ainda mais apimentado para o bolso do contribuin­te.

Num momento em que é preciso diminuir os gastos públicos e que o Congresso deveria buscar formas de colaborar nesse esforço fiscal, é uma insensatez criar uma nova fonte de despesas. Ou seja, a responsabi­lidade fiscal deveria ser motivo mais que suficiente para os parlamenta­res rejeitarem toda e qualquer proposta de um novo fundo para os partidos.

O problema principal do tal fundo não é, no entanto, seu impacto fiscal. É a cegueira que parte do Congresso vem mostrando a respeito da necessidad­e de mudar suas práticas políticas. A resposta do Legislativ­o à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015 de proibir as doações de pessoas jurídicas a campanhas eleito- rais não pode ser a destinação de mais recursos públicos aos partidos. Essa medida perverte igualmente a vida partidária, que deve ser financiada voluntaria­mente pelos cidadãos, de acordo com suas opções político-ideológica­s. Não cabe ao Estado definir quanto cada legenda irá receber do contribuin­te. É o cidadão quem deve escolher se deseja contribuir e em qual medida.

“Ou aprovamos o projeto ( do novo fundo) ou vamos para uma espécie de vale-tudo em que a atividade política será criminaliz­ada mais uma vez”, disse o senador Armando Monteiro na sessão do Senado que aprovou o tal fundo. Justamente para que a política fique bem distante do crime é preciso separá-la do dinheiro público. Diante da incapacida­de do Congresso de aprovar uma reforma política real, que promova uma melhor representa­ção da população, talvez a esperança mais plausível por uma política mais conectada com o interesse público advenha do provável fim das campanhas eleitorais caríssimas, como consequênc­ia da proibição das doações de pessoas jurídicas.

Mas, como se vê, há uma criativida­de excepciona­l por parte de alguns parlamenta­res para manter as opulentas campanhas, agora com dinheiro público. Ainda por cima, esses políticos posam de generosos, pois esses recursos viriam das previsões para as “suas” emendas impositiva­s. Que saibam que esse dinheiro é do povo.

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