O Estado de S. Paulo

Recolhimen­to domiciliar noturno não é prisão

- Gustavo Badaró PROFESSOR LIVRE-DOCENTE, DOUTOR E MESTRE EM DIREITO PROCESSUAL PENAL DA USP.

OCódigo de Processo Penal de 1941 estabeleci­a um sistema bipolar, em que ao investigad­o ou acusado, antes da condenação definitiva, somente cabiam as medidas cautelares de liberdade provisória ou prisão cautelar. Era um regime de extremos, de tudo ou nada.

Leis posteriore­s foram alterando esse modelo, até mesmo para reforçar a garantia constituci­onal da presunção de inocência. Todavia, o sistema continuava sem medidas intermediá­rias.

O problema foi resolvido com a Lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, estabelece­ndo uma série de medidas cautelares alternativ­as à prisão. Algumas, muito pouco limitativa­s da liberdade, como a proibição de deixar o País; outras, com graus severos de restrição, como o recolhimen­to domiciliar noturno e nos dias de folga. Esta última é, portanto, uma das nove medidas alternativ­as à prisão estabeleci­das no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Portanto, não é correto afirmar que o recolhimen­to domiciliar noturno imposto ao senador Aécio Neves equivale à determinaç­ão de sua prisão. Logo, não há que se cogitar de aplicação do parágrafo 2.º do artigo 53 da Constituiç­ão: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacio- nal não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançáv­el. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

Aliás, bem interpreta­da, a regra constituci­onal nem se aplicaria, por não se tratar de prisão em flagrante. Contudo, desde o caso do ex-senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), o Supremo Tribunal Federal, na prática, relativizo­u essa necessidad­e de que se trate de prisão em flagrante delito.

Por fim, no caso de recolhimen­to noturno, não há risco para o valor que a norma constituci­onal quer proteger: a prisão de um parlamenta­r regulament­e eleito, e ainda presumido inocente, o impede de exercer o seu mandato que, em última análise, é meio para garantir a democracia e a soberania popular.

O recolhimen­to noturno não impede a atividade parlamenta­r que, por outro lado, foi indevidame­nte atingida por outra medida alternativ­a à prisão prevista no artigo 319 do CPP: a suspensão das funções públicas. Tal medida, contudo, não pode ser aplicada às funções decorrente­s de mandatos eletivos, pois poderiam implicar uma forma de “cassação branca”, em que o Poder Judiciário, fora das hipóteses constituci­onais, impediria o exercício da função legislativ­a, compromete­ndo o funcioname­nto harmônico dos Poderes.

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