O Estado de S. Paulo

República magistral

- JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO TWITTER: @ZEROTOLEDO BLOGS.ESTADAO.COM.BR/VOX-PUBLICA/ JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

OSupremo Tribunal Federal cansou de ver juízes de primeira instância monopoliza­rem os holofotes. Em dois dias, autorizou ensino religioso em escola pública, desafiou o Senado e rachou em público. Só não se manifestou sobre conflito de interesse evolvendo seus integrante­s. Chega de perder manchetes para juízos de primeira, como o que decidiu mandar a julgamento um adolescent­e que ousou levar câmera fotográfic­a a protesto.

Tucanaram a prisão do senador? A blague é óbvia, mas imprecisa. A decisão de três ministros da Primeira Turma do Supremo de afastar Aécio Neves (PSDB) do Senado e mandá-lo não sair de casa à noite é – pelo Código do Processo Penal (CPP) – medida cautelar diversa da prisão. Segundo juiz de carreira consultado pela coluna, é sentença “meio sem sentido para o caso em questão, mas não é invenção”. Está tudo lá no CPP.

No inciso 2º do artigo 319: “proibição de acesso ou frequência a determinad­os lugares (...) para evitar o risco de novas infrações”. No caso, o local de onde Aécio deve permanecer distante não é um estádio de futebol, mas aque- le para o qual foi eleito, o Congresso. Afinal, também é prevista a “suspensão de função pública quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (inciso 6º).

Parlamenta­res – e os ministros mais loquazes do próprio tribunal – veem nisso uma usurpação de prerrogati­vas do Legislativ­o. Qual seria, então, a alternativ­a? O Supremo decretar a prisão do tucano? Mesmo irritados, os senadores devem levar o precedente em conta, não só pensando no destino de Aécio, mas na dúzia de colegas alvo de investigaç­ões por procurador­es da República. Cutucar o STF e descumprir sua decisão pode iniciar uma batalha de represália­s da qual muito senador haverá de se arrepender.

Ficar proibido de falar com outros acusados ou suspeitos – para assim não atrapalhar as investigaç­ões – também está previsto no artigo 319, inciso 3º (“proibição de manter contato com pessoa determinad­a”). Bem como entregar o passaporte (artigo 320).

Até a medida que mais provocou piadas na internet – “o que será dos bares do Leblon?” – consta no inciso 5º: “recolhimen­to domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigad­o ou acusado tenha residência e trabalho fixos”. E se ele foi afastado do trabalho pela mesma decisão e está, portanto, de folga? Deve ficar recolhido durante o dia também?

Todo comentaris­ta de Facebook tem seu parecer sobre direito constituci­onal, todo tuiteiro tem sentença a respeito – agora, com o dobro de caracteres. Na magistral república brasileira, todo cidadão foi promovido de técnico de futebol a juiz. As mídias sociais se transforma­ram em um tribunal permanente – do que não escapam nem os próprios magistrado­s.

Pode um juiz ser avalista de empresa da qual é sócio em um empréstimo bancário? A questão é pertinente porque a lei da magistratu­ra proíbe quem julga de exercer o comércio – pelas óbvias chances de ele se meter em um conflito de interesses. Por exemplo: cometeria o banco – que, por acaso, é parte em ações na corte onde o avalista atua – a imprudênci­a de executar o aval?

Ou ainda: deve um juiz julgar réu que patrocinou empresa da qual o togado é potencial beneficiár­io de lucros e dividendos?

Tais questões provocam rebuliço apenas na corte digital. É mais fácil o Supremo comprar uma briga com outro Poder da República do que se debruçar sobre o próprio umbigo. Ministros intrigam-se na imprensa, trocam pescoções verbais em plenário, mas raramente julgam-se uns aos outros. E a condenação do Judiciário pela opinião pública? É pena genérica e coletiva. Não estão nem aí.

Ministros intrigam-se na imprensa, mas raramente julgam-se uns aos outros

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