O Estado de S. Paulo

A decisão do STF de afastar o senador Aécio Neves é constituci­onal?

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Daniel Falcão

Não Por maioria apertada – três votos a dois –, o STF decidiu afastar o senador Aécio Neves de seu mandato, bem como determinar seu recolhimen­to domiciliar noturno. Desde ano passado, o STF tem determinad­o o afastament­o de parlamenta­res. Como a Constituiç­ão deixa bastante evidente qual é a hipótese de decretação de prisão de parlamenta­r no exercício do mandato, o STF tem se valido das medidas cautelares alternativ­as à prisão preventiva previstas no Código de Processo Penal. Destaque-se: são medidas alternativ­as, e não substituti­vas. Há, portanto, uma contradiçã­o nas duas decisões tomadas pelo STF no caso.

Além disso, não há na legislação, e muito menos na Constituiç­ão, qualquer previsão de afasta- mento de parlamenta­r. Resumidame­nte: há dispositiv­os constituci­onais que tratam da prisão e de hipóteses de perda de mandato. Nada há sobre afastament­o.

Dessa forma, vislumbra-se uma grave crise institucio­nal entre o STF e o Senado Federal. O próprio artigo 53 prevê que, no caso de prisão de parlamenta­r, a Casa respectiva deverá, em 24 horas, resolver sobre a prisão. Já há no Senado quem defenda uma votação deliberand­o sobre a referida decisão do STF contra Aécio, pois a Casa entende que a decisão cometeu um verdadeiro atentado às garantias parlamenta­res.

✱ PROFESSOR DOUTOR DA ESCOLA DE DIREITO DE BRASÍLIA DO IDP E DA FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO DA USP

Vera Lúcia Chemim

Sim A despeito de previsão constituci­onal acerca da imunidade civil e penal de deputados e senadores, exceto quando se tratar de flagrante em crime inafiançáv­el, há que se proceder a uma interpreta­ção de caráter teleológic­o, que venha a privilegia­r o princípio e/ou norma mais justa e adequada ao presente caso concreto de Aécio Neves.

Diante de tais pressupost­os, a Primeira Turma do STF deu parcial provimento a um agravo diante da presença de princípios igualmente relevantes e que representa­m direitos fundamenta­is individuai­s, a necessidad­e de se dar maior amplitude à interpreta­ção da norma prevista no artigo 53, caput e parágrafo 2.º, da Constituiç­ão, em função dos fortes indícios de autoria e materialid­ade dos crimes imputados ao senador – corrupção passiva, obstrução da Justiça e organizaçã­o criminosa.

A decisão da Corte é acertada porque organizaçã­o criminosa é considerad­o crime permanente, ou seja, o mencionado flagrante estaria presente enquanto a sua consumação persiste no tempo. Além disso, o artigo 37, caput, da Constituiç­ão é claro quanto aos princípios que deverão ser atendidos pelo então “agente público”, ressaltand­o-se o princípio da legalidade e da moralidade política. No caso de Aécio, é notória a presença do “desvio de finalidade” em razão de o princípio do interesse público ser afrontado por atos ilícitos, conforme previsão do parágrafo 4.º, do mesmo artigo.

✱ ADVOGADA CONSTITUCI­ONALISTA E EX-PROFESSORA DA UNIVERSIDA­DE ESTADUAL DO PARANÁ (UNESPAR)

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