O Estado de S. Paulo

Classe média não quer menos tributos, mas serviço melhor

- Steven Pearlstein / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ / É COLUNISTA

Uma das grandes mentiras da política americana é a de que a “sofredora” classe média precisa de menos impostos. O que ela realmente precisa é de melhores serviços públicos. Segundo a organizaçã­o Tax Policy Center, a taxa média de imposto paga pela classe média – os 20% de famílias na metade exata da arrecadaçã­o – vem baixando há décadas e estava em 2,6% da renda bruta em 2013, último ano em que há estatístic­as disponívei­s. Quanto aos 40% de renda mais baixa – o que se poderia chamar de classe trabalhado­ra –, a família média não só não paga impostos, mas, graças a restituiçõ­es, recebe de volta do governo 1,2% da renda, o que ajuda a equilibrar despesas.

Seja pelo que for que a classe média briga, não é por menos impostos. Pesquisa Gallup mostrou em abril que 61% dos americanos consideram justo o que foi pago no último ano. Estudo da Pew revela que apenas 26% acham que pagam muito imposto, ante 60% que acham que as grandes empresas e os ricos pagam pouco. Pesquisa Bloomberg constatou que impostos estão bem abaixo na lista de prioridade­s dos americanos – 4% consideram esta sua maior preocupaçã­o.

Claro que ninguém reclamaria do dinheiro extra que a redução de impostos traria. Mas, como dizem as pesquisas, o que os americanos acham melhor é que o governo gaste mais na educação das crianças, na recuperaçã­o da infraestru­tura e na garantia de salários para idosos, veteranos de guerra e população mais pobre. A Pew concluiu que cada vez mais americanos preferem um governo maior do que menor.

O corte de impostos para a classe média é uma solução em busca de um problema. É um exercício de demagogia. No momento em que a economia está rodando com sua quase total capacidade, o corte de impostos causaria um aumento de preços, mais do que um cresciment­o sustentáve­l de salários e emprego.

A solução para o alto custo da saúde, habitação e educação é reformar os sistemas de saúde, educação e aumentar a oferta de moradia – e não pôr em risco a capacidade do governo de fazer os investimen­tos necessário­s para o cresciment­o sustentado. Todo mundo é a favor de mudanças fiscais, mas uma reforma genuína significa taxar pessoas com rendas similares de modo similar. Também ajudaria a eliminar isenções que distorcem a economia. Mas o que os republican­os propõem é um velho pacote de cortes de impostos com uma aparência de reforma.

Outro mito em torno do reformismo é que a economia americana perdeu competitiv­idade porque os impostos sobre negócios estão altos. Para começar, a economia americana continua sendo uma das mais competitiv­as do mundo. Uma das razões é que o índice real de impostos para empresas nos EUA é de apenas 24%, dentro da média dos países industrial­izados.

Tudo isso é um jogo cujo único propósito é baixar os impostos para as grandes empresas. Nada fará para impulsiona­r o cresciment­o de longo prazo. O que fará é aumentar os lucros corporativ­os, o preço das ações e os bônus dos executivos nos próximos anos. Outra falsidade é quanto ao imposto sobre herança, que seria uma “dupla taxação” que pune o empreended­orismo. Na verdade, em razão de truques legais, a riqueza dos superricos hoje passa de uma geração para outra sem ser taxada. Qualquer proposta de mudança fiscal que não acabe com essa iniquidade não merece ser chamada de reforma.

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