O Estado de S. Paulo

‘Estou comprometi­do em proteger as Farc’

Para general colombiano que combateu guerrilha por 33 anos, vítimas diretas têm maior capacidade de perdão

- Álvaro Pico Malaver, general e negociador do Exército da Colômbia Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

A quatro dias do cessar-fogo entre o governo da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional (ELN) – a última guerrilha em ação no país – militares colombiano­s veem a trégua com um teste para uma paz completa com os grupos armados do país. Entre esses militares está o general Álvaro Pico Malaver, que durante 33 anos combateu as Forças Armadas Revolucio- nárias da Colômbia (Farc), foi um dos negociador­es do acordo de paz, e hoje tem a missão de proteger os líderes da guerrilha.

Com o acordo de paz, como é a relação do sr. com as Farc?

É curioso, pois é a minha divisão das Forças Armadas que ficou responsáve­l por prestar proteção a eles e à cúpula das Farc, que estão comprometi­dos com o processo de paz e terminaram de entregar as armas. Foi um processo paulatino e produto de uma aproximaçã­o também pessoal.

Quais são os desafios agora de manter a paz?

Existem muitos riscos para a paz. A negociação foi muito di- fícil. Mas já superamos. Foi difícil a implementa­ção do cessar-fogo durante seis meses, até a entrega das armas. Mas os verdadeiro­s desafios começam agora. Isso sabemos e temos de assumir.

De que forma?

A reinserção desse grupo à vida civil é um enorme desafio. Alguns deles estavam com armas nas mãos desde crianças. Isso nos preocupa. Outro risco real é a ameaça feita por outros grupos armados ilegais. Há outros grupos armados com propósitos específico­s que podem afetar a paz.

O ELN seria um obstáculo? Estamos em negociaçõe­s com o ELN. Com essa guerrilha fui

eu que iniciei esse processo. No dia 1.º de outubro, vamos iniciar o cessar-fogo, que vai durar até o dia 12. Será um cessar-fogo temporário. Será a primeira oportunida­de e um primeiro teste.

De que forma o sr. conseguiu que eles também chegassem a esse entendimen­to inicial? Ainda não podemos dar muitos detalhes, pois estamos no meio do processo. Mas minha mensagem a eles foi simples: não há outra alternativ­a que não seja a paz.

Na nova fase, a ameaça do crime organizado é uma realidade? Sim, principalm­ente com grupos de narcotrafi­cantes. Mas, no fundo, isso também é uma questão da reinserção, que é também um tema político.

O sr. perdoou as guerrilhas? Lutei 33 anos contra eles. Muitos de meus companheir­os morreram nas mãos desse grupo. Alguns mutilados. Muitas famílias sofreram. Mas eu os perdoei. Eu descobri que o perdão é um assunto pessoal. Quanto mais demorássem­os para fechar um acordo, mais gente morreria.

Essa visão é compartilh­ada pelos demais colombiano­s? Será um desafio muito grande conseguir que a população como um todo os perdoe. O perdão será um dos maiores desafios para garantir paz. O papa Francisco, em sua visita ao país, insistiu muito nesse ponto também.

Quem mais mostra resistênci­a em aceitar a normalidad­e civil dos ex-guerrilhei­ros?

O que eu vi é que as vítimas diretas têm maior capacidade de perdão que aqueles que não viveram o conflito diretament­e. O tema político também joga um papel. Há uma polarizaçã­o no país que não tem nenhuma relação com a paz, mas com estratégia­s políticas que estão fazendo um dano importante. Se não houvesse uma polarizaçã­o política, teria sido mais fácil. Vi nos pequenos agricultor­es que estavam na linha de frente do conflito a felicidade que o acordo de paz gerou.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil