O Estado de S. Paulo

Os planos de Macron

- GILLES LAPOUGE EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU / É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

Emmanuel Macron fez seu grande discurso sobre a Europa. E todos os encantos do novo presidente francês foram empregados. Ele falou em um daqueles “lugares grandiosos” dos quais tanto gosta, a Sorbonne, a nobre universida­de que reina sobre Paris desde a Idade Média. Demonstrou a inteligênc­ia e a sutileza que ele tem de sobra. E acrescento­u aquela dose de lirismo que ele aplica a seus grandes discursos, assim como as mulheres acrescenta­m ao magnífico aroma de sua pele as fragrância­s sofisticad­as de Chanel ou Christian Dior.

Um artigo de luxo, portanto. E, como tal discurso tinha o propósito de despertar a União Europeia de seu profundo sono dogmático, de suas falhas, disputas e hesitações, o belo discurso da Sorbonne devia ter levado um sopro de entusiasmo aB erlim (Merkel, a exemplo de Macron, é defensora fervorosa da UE, espécie em extinção nos dias de hoje). Mas, por enquanto, silêncio absoluto. E benévolo.

Nada mais lógico. Três dias atrás, Merkel estava preparada para, com Macron, prescrever alguns remédios amargos para a UE. Mas, no domingo, ocorreram eleições legislativ­as na Alemanha. Merkel ganhou, mas sua vitória foi tão estreita que, para governar, ela terá de fazer alianças com partidos ligados ao eurocetici­smo, como, por exemplo, os liberais do FDP, cujo líder logo disse que recusa a ideia de Ma- cron de um orçamento para a “zona do euro”. Mesmo o CSU, partido irmão do CDU de Merkel, declarou ontem que “Macron quer jogar a dívida pública francesa nas costas dos outros, é um procedimen­to inaceitáve­l”.

Macron já previra esses atritos. É por isso que, apesar de seu ardor, falou de maneira vaga sobre as reformas que poderiam acabar com a letargia da Europa. Ele se limitou a enumerar os “campos para uma refundação” da União Europeia: níveis e velocidade­s de integração variáveis, segurança, proteção das fronteiras, migração estruturad­a, defesa conjunta, harmonizaç­ão fiscal, proteção ambiental, cultura, ensino de línguas, administra­ção dos gigantes digitais, capacidade de defender o mercado europeu. Macron se absteve de entrar em detalhes. Prudência.

Dessa forma, graças a seu virtuosism­o retórico, ele conseguiu apresentar seu plano de “refundação” com pompa e circunstân­cia, mas sem colocar a querida aliada Merkel em situação desconfort­ável. Em certo sentido, aos olhos de alguns analistas, o relativo revés eleitoral de Merkel no domingo é uma boa notícia para Macron. Até agora, a UE avançou graças ao seu motor franco-alemão, mas, obviamente, o motorista do carro europeu era a Alemanha, e a França era apenas o copiloto.

Mas agora Merkel está condenada a passar algumas semanas retraída, a portas fechadas, gastando um tempo para pôr em ordem suas alianças com outros partidos alemães. E a França, dizem os mais entusiasma­dos, pode aproveitar para assumir o volante. Hoje (27) pela manhã, vários programas da TV francesa exibiam chamadas que apontavam nessa direção, às vezes com um tom vaidoso e meio ridículo: “Rumo à Europa de Macron” ou “Macron, líder da União Europeia”.

Imprudente e prematuro ao mesmo tempo. O perigo é que o fosso aberto pelas eleições alemãs no front europeu vai demorar para se fechar. Nesse caso, Macron estaria de fato no banco do piloto, mas com comandos aos quais a máquina nem sempre responderi­a...

É muito bom ser “o comandante da Europa”, mas também é necessário que esse líder tenha algumas tropas. A Grã-Bretanha abandonou o campo de batalha, a Alemanha ficará na retaguarda por alguns meses, os países do Leste Europeu estão contaminad­os por fascismos leves e rigorosos, a Espanha está repleta de desemprega­dos, enquanto a Catalunha faz misérias com Madri: os heróis da União Europeia, à exceção de Macron, estão exaustos. Se um comandante não comanda ninguém além de si mesmo, ele continua sendo comandante? É verdade que ainda existem soldados disponívei­s na Europa, mas estes não são os mais vigorosos: Itália, Espanha, Portugal e até mesmo Grécia, em meio às cinzas. E não vamos esquecer: a ilha de Malta e a ilha de Chipre.

O fosso aberto pela eleição alemã vai demorar a se fechar, limitando as ações de Merkel

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