O Estado de S. Paulo

Cartão de crédito

Novas regras não alcançam maioria dos clientes

- Fernando Nakagawa

As novas regras para o rotativo do cartão de crédito estão em vigor há cinco meses. O objetivo da mudança era reduzir os juros proibitivo­s dessa modalidade. Na prática, para quem paga em dia, isso até aconteceu: o juro caiu praticamen­te pela metade desde março – de 431% ao ano para 221,4% em agosto. Mas quase dois terços de todo o volume de crédito contratado no rotativo continuam fora do alcance das novas regras. Os clientes que aderem ao parcelamen­to mais barato e não cumprem o pagamento previsto voltam para o “antigo rotativo”, com taxas superiores a 500% ao ano.

De acordo com as novas regras, o cliente pode optar por pagar o valor mínimo da fatura, mas no mês seguinte ele precisa quitar ou parcelar a dívida restante. Quem faz isso, dentro dos prazos, está no chamado “rotativo regular” e tem se beneficiad­o com juros mais baixos.

Se não fizer o pagamento no prazo, o cliente entra no “rotativo não regular”.

Dados do Banco Central revelam que há mais consumidor­es que atrasam o pagamento do crédito rotativo do que os que pagam em dia. Em agosto, 61,5% de todo o saldo do crédito rotativo era carimbado como “não regular”. Ou seja, R$ 20,6 bilhões tinham atraso ou pagamento inferior aos 15% da parcela mínima. A outra parte de 38,5% ou R$ 12,9 bilhões equivalia às transações “regulares” – quando há pagamento em dia e quitação mínima de 15%.

Os dados mostram que o rotativo é uma operação majoritari­amente de clientes atrasados. Em agosto, 39,2% das operações registrava­m atraso superior a 90 dias no pagamento e 14,1% estavam de 15 a 89 dias sem pagamento. Nenhuma outra operação sofre tanto com calotes.

Para essa maioria que não paga em dia, o juro segue nas alturas. Em agosto, bancos cobraram média de 506,1% – perto do

visto há um ano, quando estava em 514,9%. Com esse juro, uma dívida de R$ 1.000 cresce para R$ 6.061 em um ano. É a operação de crédito mais cara entre todas as 59 linhas acompanhad­as pelo Banco Central. Segunda linha mais cara, o cheque especial cobra 321%.

Embora o Banco Central reconheça que “algumas questões” ainda precisam ser resolvidas na operação, a instituiçã­o considera o resultado das mudanças um sucesso, por conta da redução do juro que incide sobre o crédito rotativo pago em dia. O banco também cita o cresciment­o de quase 50% no uso do parcelado – operação com juro menor, de 161% – como opção para deixar o rotativo. “A medida foi bem-sucedida ao possibilit­ar importante redução das taxas de juros”, diz o BC em nota. “Ainda há questões vinculadas (ao rotativo não regular) sobre o juro muito elevado e o saldo que permanece”, reconheceu o chefe do Departamen­to de Estatístic­as do BC, Fernando Rocha. O técnico diz que esse pro- blema pode ser combatido com educação financeira, mas reconhece o efeito do cenário econômico. “São clientes que tinham renda e perderam o emprego ou aqueles que não planejaram a despesa”, disse.

A coordenado­ra de atendiment­o do Procon-SP, Renata Reis, diz que um dos principais problemas que têm levado consumidor­es ao atraso é a falta de clareza das informaçõe­s prestadas pelos bancos. “Clientes não conseguem entender a sistemátic­a do novo pagamento mínimo e o parcelamen­to proposto.”

O diretor executivo da Associação Brasileira­s das Empresas de Cartão de Crédito (Abecs), Ricardo Vieira, argumenta que o juro cobrado dos clientes não regulares não deve cair porque “seria um estímulo ao não pagamento”. “Essa é uma taxa punitiva para quem não paga.”

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