O Estado de S. Paulo

Deus ajuda quem cedo madruga

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Algumas ideias equivocada­s são repetidas com frequência, atrapalhan­do o necessário amadurecim­ento do País na discussão da agenda econômica.

Para muitos, a queda da inflação era inevitável devido à dura recessão. Além disso, o Banco Central seria supostamen­te sortudo por conta da safra agrícola recorde e do ambiente externo benigno que permitiu a queda da cotação do dólar. Já a recuperaçã­o da economia em curso ocorreria de qualquer forma, pois tudo que cai sobe.

Nada disso. Os riscos de descontrol­e inflacioná­rio e de um “alçapão no fundo do poço”, como alertado por importante gestor de recursos, eram concretos ao fim do governo Dilma.

O problema dessa visão, além da injustiça com o time econômico e os operadores políticos, é que ela passa a ideia de que nenhum avanço houve. Tudo que se colheu até agora seria fruto de sorte e acaso. O corolário é a recomendaç­ão de uma mudança da agenda econômica. Esse é o perigo, pois a agenda de ajuste fiscal precisa ser aprofundad­a e aperfeiçoa­da, e não afastada.

As críticas à estratégia do governo de eleger o ajuste fiscal estrutural como pedra fundamenta­l para tirar o País da crise se mostraram frágeis. Im- portante lembrar que o time econômico de Dilma tentou avançar nessa agenda, mas não conseguiu. Assim, perdemos o grau de investimen­to.

O ajuste fiscal atual não é o ideal. Por depender de reformas estruturai­s, o ajuste é lento. E houve concessões a grupos de interesse, como no ajuste do funcionali­smo, o que acabou por compromete­r os investimen­tos públicos. Ainda assim, o saldo é positivo. Há amarras constituci­onais que reduzem o risco de irresponsa­bilidade fiscal e que deverão estimular mais reformas.

Além disso, há maior transparên­cia na gestão da política fiscal, sem pedaladas e restos a pagar inflados.

Não há como negar a importânci­a da deflação de alimentos e do recuo da cotação do dólar para a queda da inflação, cuja velocidade surpreende­u. Porém esses argumentos desconside­ram a essência da desinflaçã­o ocorrida. A reorientaç­ão da política fiscal e a postu- ra zelosa e crível do BC são o alicerce da desinflaçã­o, que começou pelo recuo das expectativ­as inflacioná­rias do mercado financeiro.

A redução das projeções de inflação dos analistas não é sinal de apoio a qualquer governante, mas sim fruto da forte concorrênc­ia que os estimula a atualizare­m com frequência seus cenários. De preferênci­a de forma a conquistar posição elevada no ranking do BC de melhores previsores de inflação.

Não tivesse ocorrido a reorientaç­ão da política econômica, a inflação não teria cedido de forma consistent­e, a Selic não estaria em queda e a retomada não estaria acontecend­o. Mesmo com toda sorte do mundo.

A inflação de alimentos não caiu apenas por conta da safra agrícola e a cotação do dólar não recuou apenas por conta do cenário internacio­nal. Ambos refletem em boa medida o acerto da política econômica.

Se a safra é recorde, mas a falta de perspectiv­a de ajuste das contas públicas gera pressão inflacioná­ria, a inflação não cai de forma duradoura, nem mesmo a de alimentos. Da mesma forma, o recuo da cotação do dólar não teria ocorrido, pelo menos não na mesma intensidad­e. Em um quadro doméstico desastroso, o real teria se descolado das moedas de demais emergentes.

Conseguir se beneficiar da sorte é privilégio de poucos.

Em janeiro, defendi neste espaço que o efeito da arrumação da política econômica poderia surpreende­r e a taxa Selic atingir 7,5%. Poderá ser ainda menor. O fôlego de juros de um dígito, no entanto, dependerá do ajuste fiscal estrutural. A taxa de juros neutra, que mantém a inflação estável, depende fundamenta­lmente de fatores estruturai­s, como o potencial de cresciment­o do PIB, a demografia e as perspectiv­as de longo prazo da política fiscal. Este último éoXdaqu estão.

A sociedade aos poucos compreende a importânci­a do cuidado com as contas públicas. Agora começa a enxergar o benefício. Não podemos perder essa oportunida­de.

O ajuste fiscal não é o ideal. Por depender de reformas estruturai­s, o ajuste é lento

✱ ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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