O Estado de S. Paulo

O Brasil é o único certo?

- JOSÉ PASTORE

Uma das caracterís­ticas mais marcantes da indústria moderna é a produção em redes que são compostas por diversas empresas e profission­ais que operam de modo articulado. Olhando de fora, as redes exibem relações bastante assimétric­as, congregand­o empresas de vários portes e funções variadas. Cada uma é autônoma, mas a interação entre elas é baseada no cumpriment­o de regras técnicas e laços de confiança.

As redes de produção no setor de confecções operam dessa maneira e respeitam as especifica­ções técnicas do corte dos tecidos, da costura e do acabamento. As empresas compradora­s provêm assistênci­a técnica às oficinas que executam o trabalho.

Em sua maioria, os trabalhado­res são jovens e mulheres de baixo nível educaciona­l. Mas, com o avanço das tecnologia­s, eles ampliam seus conhecimen­tos e melhoram a renda. Assim tem sido na Ásia, no Leste Europeu e nas Américas (Gary Gereffi, Internatio­nal trade and industrial upgrading in the apparel commodity chain, Journal of Internatio­nal Economics, 1999).

Os grandes beneficiár­ios do trabalho das redes de produção são os consumidor­es, que compram roupas bonitas, variadas a preços toleráveis.

Esse modo de trabalhar aparenteme­nte não agradou ao Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, que abriu uma ação civil pública contra uma empresa que há anos ope- ra dentro de uma rede de produção composta de oficinas autônomas nas quais os seus empregados (quando existem) são devidament­e registrado­s.

A alegada ilicitude estaria no fato de haver entre as empresas da rede de produção uma “subordinaç­ão estrutural”. Isso porque os integrante­s da rede trabalham seguindo os padrões técnicos estabeleci­dos pelas empresas que cui- dam do design e do corte das roupas. No caso em tela, as oficinas cresceram e se desenvolve­ram a ponto de criar roupas de moda própria vendidas no varejo e no atacado para diferentes compradore­s. Para tanto, contraíram empréstimo­s, compraram equipament­os e inovaram por conta própria.

O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte fixou o valor da ação em quase R$ 38 milhões, mais a obrigação de a empresa penalizada contratar os empregados das unidades produtivas da rede pagando a eles salários e encargos sociais atrasados, com multa e correção monetária – uma conta que vai longe e, pior, põe em risco os empregos de milhares de jovens e mulheres que têm ali a melhor maneira de ganhar a vida.

Definitiva­mente, o conceito de subordinaç­ão estrutural não casa com a industrial­ização 4.0 baseada em redes de produção. No caso das confecções, são redes enormes que respondem por uma parcela expressiva do PIB e do emprego. Mundialmen­te, o setor fatura mais de US$ 1 trilhão por ano e emprega mais de 25 milhões de trabalhado­res diretos (Karina Fernandez-Stark e colaborado­res, The Apparel Global Value Chain, Duke University, 2011).

Nas redes de produção, a integração entre empresas é essencial e nada tem que ver com esta ou aquela subordinaç­ão. E o setor de confecções não é o único que trabalha de modo integrado. Há pouco tempo fui atendido numa clínica em Nova York cujo médico enviou a radiografi­a de meus pulmões a uma clínica da Índia, que forneceu o diagnóstic­o em menos de uma hora, ajudando o médico e eu mesmo. É a integração de empresas e especialid­ades. Jamais sonhei haver entre as clínicas uma subordinaç­ão estrutural! Será que o Brasil é o único certo no mundo?

Está na hora de as autoridade­s do Poder Judiciário serem mais realistas e ajudarem a preservar os empregos, em lugar de destruí-los.

O conceito de subordinaç­ão estrutural não casa com a industrial­ização 4.0 baseada em redes de produção

PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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