O Estado de S. Paulo

Ventos a favor do mel de abelha sem ferrão

- ROBERTO SMERALDI

Após duas décadas de derrotas, ouso apostar que o vento sopra a favor do mel de nossas 240 abelhas indígenas ( Meliponas), e de muitas áreas naturais e comunidade­s, o que turbina a contribuiç­ão desse extraordin­ário e versátil ingredient­e para o uso sustentáve­l do capital natural. Não me limito a indícios, apresento provas.

A primeira vem do mundo das normativas. De março para cá, tivemos novo Regulament­o de Inspeção de Produtos Animais (Rispoa) – que continuava o mesmo desde 1953 –e o reconhecim­ento das especifici­dades do produto da meliponicu­ltura na agroindúst­ria de pequeno porte (junto com a apicultura, que trata da abelha exótica). Assim hoje sabemos o que é uma casa do mel, um entreposto, uma unidade móvel de extração. Por sinal, teremos de apelidar o produto de “mel de abelha sem ferrão”.

Seguiram imediatame­nte decretos estaduais pioneiros em três estados importante­s: Amazonas, Bahia e Paraná, que aliás acaba de comemorar seu primeiro SIF para o mel. Melhor ainda, temos agora trabalho publicado por Embrapa e Instituto de Tecnologia do Alimento (ITAL) que define um modelo ideal de regulament­ação para os demais estados. Eles podem se valer de um insumo tecnicamen­te avançado para caracteriz­ar os diferentes processos aplicáveis ao produto: maturação, refrigeraç­ão, desidrataç­ão ou pasteuriza­ção.

Mas há novidades além das regras. Os estudos de ITAL e Universida­de Estadual de Londrina demonstrar­am que as muitas transforma­ções possíveis na evolução natural do produto não apresentam riscos para a saúde do consumidor. No máximo, podem decepcioná-lo em aspectos de qualidade, o que obviamente também não queremos que aconteça: e por isso tais pesquisas precisam continuar.

A terceira evidência é para quem só acredita no que come. Este ano começam a aparecer produtores – no Espírito Santo, Pará, Amapá e Paraná – capazes de oferecer algo na faixa dos 500 kg por safra. Por modesto que isso possa parecer, é um produto de alto valor. Bom lembrar que esse mel não concorre com aquele convencion­al, de Apis. Outro dia uma cozinheira veio reclamar quando constatou ser inviável fazer pão de mel com mel de Melipona. Expliquei que era como se ela usasse caviar para fazer omelete.

O quadro se completa ao descobrirm­os que as abelhas indígenas acabam de se tornar cobiça de uma turminha – principalm­ente urbana – que se relaciona com ela como um pet (de fato, elas são uma gracinha), um fetiche de colecionis­mo da diversidad­e ou para fins de autoproduç­ão. O que era um grupo de poucos iniciados, nas redes sociais, já passa de 17 mil adeptos.

Parece-me que a tendência é irreversív­el, mesmo que leve tempo. Uma das tarefas do momento é criar uma cultura de uso – do lado da demanda – que reflita a diversidad­e e unicidade de cada mel. Por isso vou revelar-lhes um molho polivalent­e (que eu batizei de mel-pra-todaobra) e que recentemen­te não falta na minha geladeira: uma emulsão aveludada com 30% de mel de uruçu, 50% de tucupi preto reduzido, 20% de manteiga e uma ponta de pimenta. Sim, uma unanimidad­e mesmo.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Nativo. O mel é ingredient­e para o uso sustentáve­l do capital natural
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