O Estado de S. Paulo

Engenheiro diz ter assinado em hospital recibos de Lula

Dono de imóvel usado por Lula diz ter assinado de uma só vez recibos retroativo­s de aluguéis levados por advogado no Sírio-Libanês, em SP

- Julia Affonso Luiz Vassallo Ricardo Brandt Gilberto Amendola

A defesa do engenheiro Glaucos da Costamarqu­es quer pedir ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o registro de entrada do advogado de Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, e do contador João Muniz Leite. Costamarqu­es diz ter assinado no hospital, em novembro de 2015, recibos retroativo­s referentes ao aluguel de apartament­o utilizado por Lula.

A defesa do engenheiro Glaucos da Costamarqu­es pediu ontem ao juiz Sérgio Moro que o hospital Sírio-Libanês seja intimado a entregar registros das visitas feitas pelo advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, e pelo contador João Muniz Leite em novembro de 2015. O objetivo é comprovar que os dois estiveram no local na ocasião em que o engenheiro disse ter recebido deles, e assinado, recibos retroativo­s a 2011 referentes ao aluguel de um apartament­o duplex em São Bernardo do Campo usado por Lula.

A tentativa, no entanto, ficará restrita aos registros escritos de entrada e saída de visitantes. Ontem, o hospital informou em nota que as imagens geradas pelo sistema interno de vigilância “são apagadas automatica­mente após 15 dias, salvo solicitaçã­o oficial para arquivamen­to no decorrer desse período”.

O apartament­o, usado pelo ex-presidente, é um dos alicerces de uma das sete denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal no Paraná contra o petista, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Segundo os procurador­es, o imóvel teria sido adquirido pela Odebrecht em 2010, por meio de Costamarqu­es – apontado como “laranja” no negócio – como forma de pagamento de propina a Lula. A força-tarefa da Lava Jato afirma que não houve pagamento de aluguel a Costamarqu­es entre fevereiro de 2011 e novembro de 2015.

Em depoimento a Moro, o engenheiro disse que comprou o imóvel em agosto de 2010 a pedido de seu primo, José Carlos Bumlai, pecuarista que é amigo pessoal de Lula. O objetivo, segundo ele, era fazer com que o apartament­o continuass­e sendo utilizado pela família do petista. O imóvel, vizinho à unidade onde Lula mora, é ocupado por ele desde antes de assumir a Presidênci­a. O aluguel, no início, era pago pelo PT e, enquan- to Lula foi presidente, pela Presidênci­a da República, de acordo com o engenheiro.

Pagamentos. No depoimento, Costamarqu­es disse que entre 2011 e 2015 não recebeu pelos aluguéis, informação que confirmou ao Estado. O engenheiro afirmou que passou a receber os pagamentos após a visita de Teixeira no hospital.

“O Roberto Teixeira esteve lá no hospital me falando: ‘Olha, nós vamos pagar. De hoje em diante, nós vamos pagar o aluguel pra você’. Começaram a pagar”, relatou Costamarqu­es. Os pagamentos, segundo ele, foram feitos em depósitos não identifica­dos em sua conta no banco Santander.

Moro quis saber se Teixeira deu alguma explicação para o pagamento começar a ser feito mais de quatro anos depois do início da vigência do contrato. Costamarqu­es disse que não, mas, segundo ele, a visita do advogado ocorreu logo após a prisão de Bumlai.

“Eu entrei no dia 22 de novembro no hospital. Dia 24 ele foi preso. Eu lembro da data por causa do hospital. E ele esteve lá no hospital no fim do mês de novembro”, disse o engenheiro. Ele sustenta que os comprovant­es retroativo­s foram assinados de uma só vez naquele dia.

Em março de 2016, quando Lula foi alvo da 24.ª fase da Lava Jato, a Polícia Federal encontrou em seu apartament­o um manuscrito sobre o aluguel do apartament­o. A anotação foi feita em um papel timbrado do escritório de Teixeira, Teixeira & Martins Advogados, responsáve­l pela defesa do petista. Nele, há o nome Glaucos da Costamarqu­es, o número de seu CPF e abaixo: “Aluguel R$ 12X3.500,00 R$ 42.000,00”.

Recibos. O valor é semelhante aos que constam nos recibos entregues na segunda-feira passada pela defesa de Lula à Justiça Federal para comprovar o pagamento dos aluguéis. Foram apresentad­os 26 comprovant­es referentes a pagamentos no período entre agosto de 2011 e novembro de 2015. Dois recibos, no entanto, têm datas que não existem no calendário: 31 de junho e 31 de novembro.

Ontem, o advogado de defesa do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, divulgou nota em que afirma que juntou aos autos o contrato de locação firmado entre Costamarqu­es e a mulher de Lula, Marisa Letícia, que morreu em fevereiro, além de recibos de pagamento de aluguéis relativos a esse contrato. “Os recibos dão quitação em relação aos aluguéis até dezembro de 2015. Não há qualquer questionam­ento em relação às assinatura­s que constam no documento. A quitação é a prova mais completa de pagamento, de acordo com a lei”, afirma o comunicado de Zanin.

Segundo o advogado, se houver qualquer dúvida em relação aos recibos, eles poderão ser submetidos a uma prova pericial. “A defesa do ex-presidente Lula tem absoluta tranquilid­ade de que os documentos guardados por dona Marisa revelam a expressão da verdade dos fatos”, afirmou na nota.

Ainda segundo Zanin, “em nenhum outro documento enca- minhado pelo sr. Glaucos a dona Marisa consta o registro de débitos em relação a aluguéis, confirmand­o a quitação declarada nos recibos”. De acordo com o advogado, “a ação passou a ter como único foco uma relação privada de locação”.

A reportagem não conseguiu contato nem com o advogado Roberto Teixeira nem com o contador João Muniz Leite.

Perícia. No vídeo, Zanin também falou sobre dois recibos que têm datas inexistent­es. “Pequenos erros em dois dos 26 recibos apresentad­os não retiram a força probatória dos documentos até porque são justificáv­eis. No recibo de agosto de 2014 é feita referência à data de 31 de junho de 2014 quando claramente buscou-se fazer referência à data de 31 de julho de 2014.” Segundo ele, “a responsabi­lidade pelo documento é de quem o assina”.

O advogado disse ainda que, “se houve qualquer dúvida sobre esses recibos, que seja feita uma perícia, avaliando de quem é a assinatura, de quando os documentos foram feitos, dentre outras coisas”.

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