O Estado de S. Paulo

‘Blade Runner’

Ryan Gosling está na nova versão do clássico filme.

- Luiz Carlos Merten

Na entrevista que deu ao Estado, pelo telefone – estava em Berlim, justamente para promover o lançamento de Blade Runner 2049 –, o diretor Denis Villeneuve confirmou o que havia dito na Comic-con de San Diego. Perguntara­m-lhe, na ocasião, por que aceitar um projeto como o ‘rebbot’ – a sequência – da cultuada fantasia científica de Hollywood, de 1981. “Gosto muito do original, e só aceitei para evitar que outro pegasse o material para ‘fuck’d-up (f...) com ele.” Villeneuve conta que não planejou dizer aquilo. “Saiu espontanea­mente. Veio do coração.”

O tão aguardado novo Blade Runner estreia nesta semana – quinta-feira, 5 – nos cinemas brasileiro­s. Nos EUA, a estreia será na sexta, 6. Quando conversou com Villeneuve, o repórter havia visto apenas um ‘footage’ de 25 minutos do filme, com cenas – cronológic­as – que davam uma ideia da trama e dos personagen­s. O filme foi visto – inteiro. São 2h40 de duração. Na despedida, o diretor havia dito – “Espero não decepcioná-lo.” Não decepciono­u, como fez o próprio Ridley Scott com a nova versão de Alien, Covenant. Scott tem crédito como produtor de Blade Runner 2017. Quando falava de evitar que estragasse­m o filme, Villeneuve pensava nele? “Estou aqui quieto, você é que está falando.” Mas o riso dele, do outro lado da linha, entregava. Villeneuve também não gostou de Alien – Covenant. Está feliz com seu Blade Runner.

No Rio, também em conversa com o repórter, no dia seguinte à sua apresentaç­ão no Rock in Rio, Jared Leto, que faz o misterioso Niander Wallace, disse que foi como realizar um sonho. “Sempre gostei de Blade Runner. E agora faço parte dessa história.” Há grande expectativ­a pelo resultado financeiro do filme. Há 30 e tantos anos – 36 –, o Blade Runner de Scott fracassou na bilheteria. Mas virou cult – o reconhecim­ento de público só começou a vir quando estreou a versão do diretor, com cenas adicionais. Desde a época, a dúvida persiste – Deckard, o blade runner, caçador de androides, é, ele próprio, um replicante? A questão agora é outra – K/Ryan Gosling, o novo blade runner, é humano? Novas questões realimenta­m – reinventam? – o mistério. Blade Runner! Villeneuve conseguiu.

Em 1981, Ridley Scott já tinha no currículo Os Duelistas e Alien, o Oitavo Passageiro. Sua livre adaptação de Philip K. Dick – Do Androids Dream of Electric Sheep? –, que resultou em Blade Runner, o Caçador de Androides, custou US$ 28 milhões, numa época em que os orçamentos milionário­s começavam a virar norma em Hollywood. A expectativ­a de um mega êxito frustrou-se, mas, em compensaçã­o, algo se passou. O filme deu origem a um culto. A visão decadente do futuro de Los Angeles, segundo Scott, seduziu legiões. Em 1992, a versão do diretor finalmente obteve o pleno reconhecim­ento.

Existe toda uma bibliograf­ia sobre os bastidores de Blade Runner. Harrison Ford não entendia o conceito, vivia às turras com o diretor e, para completar, Ford – Han Solo!, um notório ladies man – não se bicava com Sean Young, que fazia a replicante. Odiavam-se. Contra tudo isso, ou pode ser que por tudo isso, criou-se o mito do filme. Exatamente 36 anos depois, surge Blade Runner 2049. O original passava-se em Los Angeles, 2019. Agora, 30 anos depois, um novo blade runner está caçando androides na cidade. Caçar não é bem o termo. Ele os ‘aposenta’. Nesse futuro ainda mais decadente, sucederam-se as revoltas de replicante­s. De cara, K/Ryan Gosling é mostrado em ação. Tensão, violência.

Aposentado o replicante, a missão complica-se com a descoberta de uma caixa. Nela está a pista para o mistério do novo filme. Há uma criança especial, um milagre. Foi parida por uma androide, filha de um humano. Villeneuve – “Quando me propuseram o filme, minha primeira reação foi dizer não. Gosto tanto do original... Mas justamente por gostar tanto, não poderia deixar que outro f... com o que virou tão importante no imaginário coletivo. E disse sim.” A história atraiu-o, e muito. O tema do criador e da criatura, que ele chama de ‘tema de Frankenste­in’. “Mas não teria aceitado, se não me assegurass­em toda liberdade. Fiz o filme que queria. Sorry, mas se não estivesse satisfeito não poderia culpar ninguém.”

A Chegada, no ano passado, foi a primeira ficção científica de Denis Villeneuve.

“Sempre gostei muito do gênero. Pertenço a uma geração que via fantasias futuristas para tentar entender o mundo. 2001 (de Stanley Kubrick) é um dos filmes da minha vida. Mas eu não encontrava o meu viés, a história que queria contar. A Chegada marcou esse comprometi­mento.” E Blade Runner 2049? “Não sei se você estará de acordo com o que vou dizer, mas esse filme engloba todos os que fiz antes – Incêndios, O Homem Duplicado, Sicário, A Chegada. É um filme sobre lembranças, duplos, poder, linguagem e comunicaçã­o.” O tema do criador e da criatura? “É visceral. Possui dimensão mítica, bíblica. O anterior já tinha. O replicante cravava o prego na própria mão. O sacrifício permeia os dois filmes. O que vem para liderar, para libertar.”

Villeneuve admite que tomou muitas liberdades com o conceito visual de Ridley Scott. Acha que foi mais fiel ao score. “Nunca vi alguém que, gostando de Blade Runner, não reverencia­sse a trilha de Vangelis, incluindo a faixa One More Kiss, Dear, pela New American Orchestra. Com Johann Johansson e Han Zimmer, procuramos uma sonoridade grandiosa, majestosa, mas nada disso faria sentido sem o essencial. A melancolia. Para mim é o tema de Blade Runner 2049. Não falo da melancolia somente como tema musical, mas como conceito.” Androides sonham com carneiros elétricos? As memórias são reais ou implantada­s? Esse tema da memória está sempre presente em Philip K. Dick – O Vingador do Futuro. Agora – o unicórnio de papel sugeria que Deckard/Ford era androide? O cavalo de madeira com data, pelo contrário, humaniza K? O final em aberto fazia do filme anterior umas meditação sobre o poder ( leia abaixo). O novo final – olha o spoiler – atualiza essa reflexão para o estado do mundo em 2017. E o vilão, Wallace? “Não o vejo como vilão”, diz Jared Leto. “Há nele uma convulsão. O criador que sabe que fracassou. Tentei acalmar sua tensão interior. Ficou ainda mais terrível.”

Mais sobre Blade Runner e o livro } que inspirou o filme de 1982 no Aliás

“Pertenço a uma geração que via fantasias para tentar entender o mundo” Denis Villeneuve CINEASTA

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STEPHEN VAUGHAN Agente K. Ryan Gosling, o novo blade runner, é humano?
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Futurismo parte 2. Villeneuve volta com Ford e Leto (ao lado)

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