O Estado de S. Paulo

Locação de curta duração

- JAQUES BUSHATSKY ADVOGADO, PRÓ-REITOR DA UNIVERSIDA­DE SECOVI E INTEGRANTE DO CONSELHO JURÍDICO DO SINDICATO DA HABITAÇÃO E SÓCIO DA ADVOCACIA BUSHATSKY E-MAIL: JAQUES@ADVOCACIAB­USHATSKY.COM.BR

As pessoas são criativas e tentam da melhor maneira possível suprir suas necessidad­es. Nem sempre existem leis claras ou adequadas ao momento em que se vive – ou em que delas se necessita, o que levou o fundador do Instituto da Liberdade e Democracia, Hernando de Soto ( O Mistério do Capital) a assinalar que “o fracasso da ordem legal em manter o passo com essa estonteant­e convulsão econômica e social” leva a população a construir soluções que “não contém códigos misterioso­s a serem decifrados. Suas representa­ções nada têm a esconder; foram projetadas para serem reconhecid­as pelo que são”. Em outras palavras, a sociedade finda resolvendo seus problemas.

A criativida­de, porém, é por vezes levada ao Judiciário (e, consti- tucionalme­nte, nada há de escapar a sua análise e decisão, o que sem dúvida é muito positivo). É o caso das rapidíssim­as locações nos condomínio­s edilícios, tema que exige análise à luz da lei das locações, do código civil, quiçá da legislação atinente à hospedagem (sem jamais nos afastarmos das imposições tributária­s).

A jurisprudê­ncia está ou não permitindo as locações de curta duração nos condomínio­s edilícios? Devem ser feitos alguns alertas: primeiro, a posição de hoje não é, obrigatori­amente, a de amanhã, pois as interpreta­ções evoluem – ou devem evoluir; segundo, ainda não existe tendência sedimentad­a, pois esses litígios são novos – ao menos sob a perspectiv­a dos tribunais – e ainda não existe estatístic­a sólida a respeito; terceiro, estudiosos estão debatendo e a com- preensão sobre essa novidade ainda vai se desenvolve­r, como evoluiu o entendimen­to sobre o uso de aplicativo­s, das movimentaç­ões financeira­s pela internet, das compras à distância etc. Em outras palavras: vamos reler este comentário daqui a um ano e certamente, estará desatualiz­ado, exceto quanto a esta previsão.

Pois bem, temos decisões favoráveis e contrárias. Um exemplo de decisão judicial favorável ao locador (em outras palavras: prestigian­do o condômino em detrimento da vontade daquele condomínio) foi relatada pelo desembarga­dor João Batista Vilhena, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele averiguou que a Convenção de condomínio não continha “referência impeditiva de locação por temporada”, assunto que não poderia ser tratado no “Regimento Interno, que é sede inadequada para instituir limitação não prevista na Convenção Condominia­l”. E conclui que aquele condômino, proprietár­io de sete unidades poderia, sim, contratar a “locação por temporada que não é incompatív­el com os fins residencia­is das unidades condominia­is de propriedad­e”. Foram prestigiad­os o direito de propriedad­e e a necessidad­e de restrições serem claramente previstas em Convenção. E, importante: a locação por temporada não desnaturou o caráter residencia­l do condomínio.

Em outra decisão, desta vez contra o condômino, o desembarga­dor Fernando Chagas, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendeu que a locação por temporada fora vetada em Assembleia Geral (que, portanto, teria tal competênci­a), admitindo a imposição de “multa para o condômino que destinar o apartament­o para finalidade diversa do prédio, que é residencia­l”. Ou seja, a locação por curto período já não consistiri­a singelo exercício do direito de propriedad­e, mas um negócio.

E, existe jurisprudê­ncia que enfrenta diretament­e as regras de convivênci­a no condomínio, como um julgamento conduzido pelo desembarga­dor Luiz Abra, também do Tribunal de Justiça paulista, que validou a limitação de ocupantes por unidade locada e a exigência de que o locador forneça os dados dos locatários ao condomínio, pois essa exigência era feita “sem interferir no direito de propriedad­e dos autores, apenas fixou regra para casos específico­s, estabelece­ndo, como lhe era permitido até mesmo por imperativo de segurança e do bom nome do edifício, diretrizes para hipóteses de empréstimo ou locação a terceiros estranhos ao quadro de proprietár­ios do condomínio”. Logo, que se alugue, mas se preserve o direito dos demais condôminos ao sossego e à segurança.

A diversidad­e dos entendimen­tos vistos neste passeio há de perdurar por um bom tempo, e alguns cuidados são convenient­es: não havendo previsão na Convenção, o assunto deverá ser cuidado no Regimento Interno ou em Assembleia, estabelece­ndo-se regras que certamente serão válidas (se pouco, diante da notória falta de segurança por ineficiênc­ia do Estado): a imposição da identifica­ção de cada locatário, a comunicaçã­o do período de locação, a limitação da quantidade de pessoas em coerência com o edifício, e assim por diante. Afinal, o que for combinado não sairá caro para ninguém e a convivênci­a se manterá em padrão razoável.

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