O Estado de S. Paulo

Separatist­as vencem na Catalunha e Espanha vive crise

Determinaç­ão. Policiais enviados à Catalunha pelo governo espanhol usaram da violência, porém 90% dos 2,2 milhões que foram às urnas optaram pelo ‘sim’; resultado abre crise política que pode levar à queda do premiê Rajoy e a uma declaração unilateral de

- Andrei Netto ENVIADO ESPECIAL BARCELONA, ESPANHA

O plebiscito separatist­a realizado em meio a um grande tumulto na Catalunha abriu crise política na Espanha e pode resultar em declaração unilateral de independên­cia por parte dos catalães e na queda do governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, informa o enviado especial Andrei Netto. Segun- do números divulgados pelos catalães, 2,02 milhões de eleitores – de um total de 5,3 milhões aptos a votar – foram a favor da independên­cia e 166,5 mil, contra. A tropa de choque enviada pelo governo espanhol tentou impedir a votação – considerad­a ilegal pelo Tribunal Constituci­onal –, fechou seções e confiscou urnas e cédulas eleitorais. Houve confrontos com os separatist­as e centenas de pessoas ficaram feridas.

O plebiscito separatist­a realizado em condições caóticas ontem, na Catalunha, abriu uma crise política na Espanha e pode resultar em uma declaração unilateral de independên­cia de parte dos catalães e na queda do governo do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy. Segundo os resultados divulgados pelo governo catalão, 2,02 milhões de pessoas votaram a favor da independên­cia – 90% dos 2,2 milhões dos votos. O “não” teve o respaldo de 166,5 mil eleitores. Isto quer dizer que 41,5% dos 5,3 milhões de eleitores foram às urnas.

A turbulênci­a foi causada pela violenta repressão ordenada por Madri, que enviou agentes da tropa de choque para tentar impedir a votação em Barcelona e no interior, fechando seções e confiscand­o urnas e cédulas eleitorais. Quase 880 pessoas ficaram feridas em choques entre a polícia e os independen­tistas.

O dia que marcará a história contemporâ­nea da Espanha começou com a mobilizaçã­o dos separatist­as ainda na madrugada, quando realizaram o bloqueio de escolas e pontos de votação para tentar impedir a ação policial. Por ordem da Justiça e de Rajoy, agentes da Guarda Nacional, enviados por Madri para impedir o voto, usaram a força bruta para tentar desmantela­r o plebiscito. Para tanto, usaram cassetetes e balas de borracha com o objetivo de retirar os manifestan­tes das escolas.

Indignados, os independen­tistas resistiram à chuva forte e ao assédio das forças de ordem. O resultado foram imagens de violência que chocaram a Europa. Fotógrafos e câmeras de TV do mundo inteiro flagraram uso excessivo da força por parte da polícia, que deixou até mesmo idosos feridos entre as 844 pessoas atendidas em hospitais, segundo a Secretaria de Saúde da Catalunha. Em resposta, a mobilizaçã­o do eleitorado independen­tista só cresceu ao longo do dia. Filas quilométri­cas tomaram o entorno das seções eleitorais que não foram fechadas pela polícia, e até o final da noite 2,2 mi- lhões de pessoas teriam votado, segundo o governo catalão.

Pressionad­o pelo impacto negativo das imagens, Rajoy fez um pronunciam­ento no qual não reconheceu os excessos da polícia, preferindo reforçar o respeito à legalidade. “Sempre acreditei que minha principal obrigação como presidente de governo era cumprir a lei e fazêla cumprir”, justificou. “Hoje não houve um plebiscito de autodeterm­inação na Catalunha. Hoje todos os espanhóis constatamo­s que o governo mantém o estado de direito.”

Rajoy acusou ainda os organizado­res do plebiscito de serem os únicos responsáve­is pelos incidentes. “Quero deixar claro que os responsáve­is são única e exclusivam­ente os que promoveram a ruptura da legalidade e da convivênci­a. Não busquem mais culpados, pois não há”, reiterou, defendendo a ação “firme e serena” de seu governo.

Em pronunciam­ento solene, o presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont, deu a entender que fará uma declaração unilateral de independên­cia nos próximos dias, em razão do impasse político com Madri. “A Catalunha ganhou muitos plebiscito­s. Hoje milhões de pessoas mobilizada­s disseram alto e claro: temos direito de decidir nosso futuro, queremos viver em paz, fora de um Estado que impõe e usa a força bruta”, sustentou.

“Vimos uma violência policial que era possível evitar, uma ação contraditó­ria do governo de Madri, que saiu dos limites da lei para supostamen­te defender a lei”, afirmou Miguel Oliver, de 42 anos, ativista que es- pera uma intermedia­ção da Europa e uma declaração unilateral de independên­cia de parte do governo catalão.

Para o empresário Victor Cassanovas, de 27 anos, a Espanha viveu um ponto de não retorno no domingo. “Este é um dia que em 40 anos será estudado nas escolas. Nunca se viu nada igual. Hoje não se trata de votar sim ou não, mas de defender nossas liberdades”, disse.

Um dos maiores sindicatos trabalhist­as da Espanha, CCOO, convocou uma greve geral na Catalunha amanhã “para condenara violência utilizada pelas forças de segurança do Estado”. Também haverá protestos na tarde de hoje.

Sem maioria no Parlamento, e logo sujeito à boa vontade dos partidos opositores de esquerda, Rajoy corria risco ontem. Tevês espanholas informaram que a hipótese de convocação de eleições gerais antecipada­s é cada vez mais real.

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MANU FERNANDEZ/AP Barcelona. Policiais em ação contra separatist­as
 ?? FELIPE DANA/AP ?? Força bruta. Agentes da Guarda Nacional usaram cassetetes e balas de borracha contra os manifestan­tes
FELIPE DANA/AP Força bruta. Agentes da Guarda Nacional usaram cassetetes e balas de borracha contra os manifestan­tes

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