O Estado de S. Paulo

Um em cada 5 casos caducou no STF em 2016

Justiça. Relatório do CNJ sobre carga de trabalho do Supremo mostrou que 18,8% dos casos em tramitação prescrever­am no ano passado. Taxa é a mais alta em oito anos

- Alexandra Martins Marianna Holanda Vítor Marques

Relatório do Conselho Nacional de Justiça mostra que a taxa de prescrição de processos no STF chegou a 18,8% em 2016, maior índice em oito anos. De acordo com ex-ministros da Corte e pesquisado­res do Direito Constituci­onal, o motivo é a intensa carga de trabalho dos 11 integrante­s da Corte.

Um em cada cinco processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) prescreveu no ano passado. Segundo relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a chamada taxa de prescrição de 2016 chegou a 18,8%, maior patamar em oito anos. Esse movimento foi acompanhad­o, contudo, de um aumento exponencia­l nos processos originário­s na Corte, que cresceram seis vezes de 2009 até o ano passado, saltando de 476 para 2.803.

A pesquisa sobre a carga de trabalho do STF foi encomendad­a pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia. O estudo é de junho deste ano. De acordo com ex-ministros da Corte e pesquisado­res do Direito Constituci­onal ouvidos pelo Estado, a causa da alta taxa de processos que caducaram é justamente a intensa carga de trabalho dos 11 integrante­s do Tribunal.

“Sobrecarre­gados, os 11 ministros não conseguem julgar todos os casos em tempo hábil, o que aumenta a ocorrência de prescrição”, afirma Fernanda de Almeida Carneiro, criminalis­ta e professora da pós-graduação em Direito Penal Econômico da Faculdade de Direito do IDP-SP. Ela prevê que a tendência é aumentar esses números nos próximos anos, com a Operação Lava Jato. “Em primeiro lugar, porque o STF não está preparado ou tem estrutura para fazer investigaç­ão ou instrução. Em segundo, porque é um caso evidenteme­nte rumoroso, que demanda atenção especial, com muitas discussões envolvendo as Turmas ou o Plenário.”

O ex-ministro Eros Grau, que deixou a Corte em 2010, confirma que ele e seus colegas, anos antes da deflagraçã­o da Lava Jato, já estavam sobrecarre­gados com o volume de ações. “Dos seis anos em que trabalhei no STF, acho que cheguei a ser responsáve­l por 6 mil processos em um ano, enquanto um membro da Corte Suprema da França, por exemplo, me disse ter julgado 80 no mesmo período”, disse.

A difusão das pautas, na avaliação do ex-ministro, também contribui para a estatístic­a. “( Um dos processos que mais me marcaram) Foi um habeas corpus que eu concedi a uma mulher que portava um grama de maconha. Eu te pergunto: essa pauta deveria estar no STF?”

Turmas. As duas turmas do STF têm o objetivo de “desafogar” o plenário ao analisar ações e recursos – uma espécie de decisão intermediá­ria entre a monocrátic­a do ministro e a dos onze ministros da Corte.

Depois do fim do julgamento do mensalão, em 2014, as competênci­as das turmas de cinco ministros cada foram ampliadas para analisar ações penais contra deputados e senadores. Na avaliação da criminalis­ta Vera Chemin, “essa estrutura não é adequada para o excesso de processos criminais com foro privilegia­do – falta de pessoal ou espaço físico”.

“Além disso, constantes erros de natureza processual durante a tramitação do processo nas diversas instâncias que chegam ao STF fazem com que os ministros devolvam à instância correspond­ente apenas para correção, com perda de tempo”, pontua a criminalis­ta.

Os números tampouco sur- preendem o professor de Direito Constituci­onal da PUC-SP, Pedro Serrano. “No Supremo, você tem uma estrutura que é muito difícil de tocar. É o tribunal superior em que os ministros mais têm processos no mundo”, avalia. Segundo ele, as ações prescritas podem ser tanto pela morosidade na Corte, justamente porque há muitos processos, quanto por casos que “já nascem” prescritos.

Um exemplo do segundo caso é quando, em março, o ministro relator da Lava Jato Edson Fachin arquivou as citações do delator Sérgio Machado ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) – recentemen­te afastado pela Primeira Turma de suas funções parlamenta­res por outro inquérito. À época, Fachin disse que os supostos fatos relatados teriam ocorrido entre 1998 e 2000 e, portanto, já estariam prescritos.

O ex-presidente do STF Nelson Jobim inclui entre as causas das prescriçõe­s em ações penais originária­s a retenção dos processos pelo Ministério Público Federal. “A Procurador­ia retém as ações e aí os processos demoram mais, contribuin­do para as prescriçõe­s”, disse.

Saída. Uma possível saída para o problema do excesso de processos, para Serrano, seria a instalação de um tribunal de terceira instância, aos moldes do Superior Tribunal de Justiça, como medida mitigadora contra a alta taxa de prescrição das ações penais e a volumosa carga processual dos ministros. “Daí você desafoga o STF, deixando-o apenas com temas constituci­onais”, sugere.

Segundo Lenio Streck, professor de Direito Constituci­onal da Universida­de do Vale do Rio dos Sinos, o aumento da taxa de prescrição tem relação com o aumento do número de processos. “Maior produção, maior o índice de extinção de processos, incluído o fator mais comum, a prescrição. Portanto, não se pode dizer que o achado do CNJ seja ruim.”

O CNJ e o STF foram procurados, mas não se pronunciar­am.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO-28/9/2017 Sobrecarre­gados. Ministros não julgam em tempo hábil

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