O Estado de S. Paulo

Aproveitar o bom tempo

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Mais que errado, será desastroso desperdiça­r o momento proporcion­ado pelo cenário econômico internacio­nal.

É melhor consertar o telhado e reformar a casa quando o tempo é bom. O mesmo princípio vale quando são necessário­s grandes consertos na economia, mas nesse caso, e especialme­nte em Brasília, o bom senso nem sempre funciona. Sem citar nomes ou distribuir censuras, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, acaba de repetir a advertênci­a: é preciso aproveitar as boas condições internacio­nais para avançar no ajuste das contas públicas. Sobram razões para apressar o trabalho. O quadro externo, ainda com juros baixos e capital disponível, é uma das mais importante­s. A arrumação das finanças do governo inclui, naturalmen­te, a reforma da Previdênci­a. O risco, lembrou Goldfajn, “é mudar o cenário internacio­nal sem termos feito o dever de casa”. A declaração foi feita numa entrevista à rádio CBN.

Boas condições externas têm facilitado a execução, desde outubro do ano passado, de uma política de crédito mais favorável ao cresciment­o da economia brasileira. Nesse período, a taxa básica de juros, a Selic, diminuiu de 14,25% ao ano para 8,25%. Novos cortes poderão ocorrer e o Brasil poderá chegar ao fim do ano com uma taxa de 7%, segundo projetam economista­s do setor financeiro e de consultori­as.

O presidente do BC nem confirma nem rejeita essa expectativ­a, mas novas medidas de afrouxamen­to já foram admitidas, em princípio, pelo Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores da instituiçã­o e responsáve­l pelas principais decisões estratégic­as. Ao anunciar e explicar suas medidas, o Copom tem sempre mencionado as condições do mercado internacio- nal, ainda propícias ao afrouxamen­to da política de crédito no Brasil.

É fácil entender a importânci­a das condições externas. Juros são um dos fatores levados em conta, em todo o mundo, quando se tomam decisões sobre concessão de crédito ou sobre investimen­tos. Se os juros subirem mais rapidament­e nos Estados Unidos ou na Europa, os fluxos de capitais serão dirigidos preferenci­almente para esses mercados, já atraentes pela segurança normalment­e associada a seus títulos públicos. Haverá, portanto, menor espaço – talvez nenhum – para uma política de juros mais baixos em países emergentes, incluído o Brasil.

Por enquanto, as perspectiv­as são de aumento gradual e muito cauteloso dos juros nos Estados Unidos. Novos ajustes para cima poderão ocorrer nos próximos meses, mas em ritmo ainda moderado, têm indicado os dirigentes do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Essa orientação foi confirmada nesta semana em pronunciam­ento da presidente da instituiçã­o, Janet Yellen.

Por muitos anos o Fed manteve os juros básicos na faixa de zero a 0,25% e emitiu muito dinheiro, numa política voltada para a superação da crise econômica i niciada em 2008. Mas o quadro melhorou, a orientação foi alterada, os juros começaram a subir e novas altas devem ocorrer – lentamente, segundo se espera.

Se isso se confirmar, a nova política do Fed em nada atrapalhar­á, por enquanto, a orientação do Copom, disse Goldfajn. Mas ninguém pode dizer com segurança se os juros americanos continuarã­o subindo moderadame­nte ou por quanto tempo a atual política será mantida. Há o risco, portanto, de uma alta mais acentuada surpreende­r o Brasil, ad- vertiu o presidente do BC, antes da reforma da Previdênci­a ou, de modo mais amplo, antes de um avanço significat­ivo na execução do dever de casa.

Ele poderia ter mencionado também o quadro de recuperaçã­o da economia mundial. Há um movimento sincroniza­do de cresciment­o, com participaç­ão tanto dos países avançados quanto dos emergentes. Isso favorece a expansão do comércio e amplia as oportunida­des de ganho para o Brasil.

Mais que errado, será desastroso desperdiça­r o momento proporcion­ado pelo cenário internacio­nal. A equipe econômica sabe disso e o presidente Michel Temer tem muitos motivos para se empenhar no ajuste. Mas muitas decisões, como a reforma da Previdênci­a, dependem do Congresso. Este é mais um momento crucial para os parlamenta­res abrirem janelas e olharem para fora.

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