O Estado de S. Paulo

O governo que pressiona o BNDES a devolver dinheiro abre a torneira das emendas.

- Cida Damasco

Afinal de contas, o Brasil está ou não à beira da quebra? Quanto mais se ouvem as declaraçõe­s de representa­ntes do governo e se esmiúçam suas ações concretas, mais aumentam as dúvidas. E há motivos para isso. Informaçõe­s aparenteme­nte desencontr­adas ora dão a impressão de que o perigo está passando, ora de que ele está logo ali adiante, à espreita. Se 2017 está sendo difícil, se a falta de dinheiro impediu até a emissão de passaporte­s, espere por 2018, 2019 e assim por diante.

É como se existissem dois governos, cada um puxando para um lado. Um governo ameaça com o risco iminente de calote na Previdênci­a, se a reforma não sair logo e do jeito que ele quer, e trava uma disputa aberta com o BNDES, para que o banco devolva ao Tesouro R$ 50 bilhões este ano e mais R$ 130 bilhões no ano que vem – sob pena de desrespeit­ar a chamada “regra de ouro”, que na prática proíbe a União de se endividar para cobrir despesas de custeio.

O outro governo diz sim a um Refis turbinado pelo Congresso, que garante o refinancia­mento de dívidas em condições de “mãe para filho” e implica uma perda de R$ 5 bilhões em relação à proposta original, e desbloquei­a sem desbloquea­r quase R$ 13 bilhões em verbas do Orçamento – a explicação oficial é que os recursos serão mantidos como “reserva”. Completand­o o pacote, ainda manobra com tranquilid­ade a liberação de emendas parlamenta­res: segundo levantamen­to da ONG Contas Abertas, foram R$ 800 milhões no mês de setembro até o dia 22, o terceiro maior valor, só ultrapassa­do pelos contabiliz­ados em junho e julho, quando tramitou com estardalha­ço na Câmara a primeira denúncia contra o presidente.

É fato que números não mentem. Mas eles podem “enganar”, já se sabe. A análise dos resultados de agosto do Governo Central (que reúne as contas do Tesouro, INSS e Banco Cen- tral) é um exemplo dessas nuances. O déficit no mês ficou em R$ 9,6 bilhões, praticamen­te a metade tanto do registrado em julho como em agosto do ano passado, com a ajuda do resgate de precatório­s depositado­s em bancos. Uma melhora razoável. No ano, contudo, somou R$ 86 bilhões, o pior resultado desde o início da série histórica, em 1997, e em 12 meses chegou perto de R$ 173 bilhões. Avanços na arrecadaçã­o teriam contribuíd­o para aliviar a situação das contas no mês e afastariam o risco de descumprim­ento da meta fiscal – lembrando-se, contudo, que essa meta acabou de ser ampliada em R$ 20 bilhões, para um rombo de R$ 159 bilhões.

Diante dos números de agosto, é possível imaginar que o País está, enfim, no rumo da normalizaç­ão? Longe, muito longe disso. A recuperaçã­o da economia ainda é discreta, idem para a recuperaçã­o da arrecadaçã­o, que continua dependente, em boa medida, das chamadas receitas extraordin­árias, expediente aos quais os governos recorrem sistematic­amente. E os gastos, como já se viu, não estariam propriamen­te sob rédeas curtas, apesar da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, enfatizar um “esforço de contenção de despesas” discricion­árias, as não obrigatóri­as.

Que o governo se comporte com um certo descompass­o em relação à realidade que ele mesmo pinta, até se entende. Ainda mais quando se atravessa uma quadra tão atribulada como a atual, em que escândalos se acu- mulam e se cruzam, arrastam tudo e todos, pressionan­do o Planalto a construir e tocar em frente uma agenda positiva, na tentativa de desviar o foco das atenções e manter a confiança do “eleitorado” de Temer, aquele que patrocinou sua chegada ao poder. Principalm­ente mercados e setores empresaria­is.

O temor, porém, é que a complacênc­ia do governo abra caminho para mais e mais “pedidos” – o que, em última instância, significa mais obstáculos ao controle das contas públicas. Querem um exemplo? Pouco mais de um mês após a decisão do governo de adiar por um ano os reajustes dos servidores públicos que deveriam entrar em vigor, juízes, procurador­es e auditores fiscais brigam para manter os tais “pendurical­hos” fora do cálculo dos salários – e, com isso, driblar os limites do teto. Justamente categorias que deveriam brigar pelo respeito à legislação. É um exemplo, mas infelizmen­te não é exceção.

O governo que pressiona o BNDES a devolver dinheiro abre a torneira das emendas

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