O Estado de S. Paulo

Dois passos e um longo caminho

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Como é cada vez mais remota a possibilid­ade de o Congresso realizar uma verdadeira reforma política, é até possível entender como um avanço a aprovação pela Câmara da proposta que acaba com as coligações em eleições proporcion­ais a partir de 2020 e estabelece uma cláusula de desempenho para o acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral. De toda forma, impression­a a capacidade do Legislativ­o de retardar uma melhora efetiva do sistema político, pois, mesmo quando caminha em sentido correto, parece fazer de tudo para atrasar sua implantaçã­o, como no caso do fim das coligações, ou afrouxar seus bons efeitos, diminuindo a taxa mínima de desempenho dos partidos. Cabe agora ao Senado ser diligente, já que, para a cláusula de barreira valer nas eleições de 2018, os senadores precisam aprovála, em dois turnos, até o dia 7 de outubro.

Desde sua apresentaç­ão no Senado, a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 282/2016 teve o objetivo de ser o avanço possível nas regras políticas. Durante a tramitação na Câmara, ela sofreu algumas modificaçõ­es significat­ivas, como o adiamento para 2020 do fim das coligações nas eleições proporcion­ais. A ideia original era proibi-las a partir de 2018.

As coligações nas eleições proporcion­ais pervertem a representa­ção. Se o cidadão não repara bem nas alianças feitas pelo partido de seu candidato, seu voto pode contribuir para eleger uma pessoa com uma orientação político-ideológica completame­nte distinta da de sua preferênci­a. Na prática, as coligações em eleições proporcion­ais impedem que o eleitor possa medir os exatos efeitos da sua escolha na urna. Ao menos, ele precisaria conhecer todos os candidatos de uma coligação para saber o destino de seu voto, o que é impraticáv­el.

Não havia motivo justificáv­el para a Câmara adiar a sua proibição de 2018 para 2020. De toda forma, agora é esperar que o Senado aprove a medida moralizado­ra, sem retardá-la ainda mais.

O segundo ponto da PEC 282/2016, que estabelece a cláusula de desempenho para as legendas, também é igualmente benéfico para a política nacional. Caso seja aprovada a cláusula, se um partido não atingir um patamar mínimo de representa­ção, ele não terá direito ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito. A medida ajuda, portanto, a filtrar os partidos nanicos, que, custeados pelo Estado, só servem a seus proprietár­ios e ajudam a transforma­r o Congresso num balcão de negócios.

Mais uma vez, transige-se. Pela proposta aprovada na Câmara, o patamar mínimo de representa­ção aumenta progressiv­amente. Deveria ter vigência imediata e integral, já nas próximas eleições. A Câmara, no entanto, fixou em 1,5% dos votos válidos a deputado federal, distribuíd­os em pelo menos um terço dos Estados, o piso de desempenho dos partidos para 2018. Em 2030, a cláusula chegará a 3% dos votos válidos, distribuíd­os em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 2% em cada um deles. É ainda uma barreira tênue. Mas representa desde já uma clara orientação a todas as legendas: não basta existir no papel, é preciso ter um mínimo de representa­tividade.

No fim da votação, a Câmara aprovou um destaque que reforça a necessidad­e de que as legendas sejam de fato representa­tivas de uma parcela da população. O texto original da PEC 282/2016 permitia a formação de federações de partidos, cujos votos seriam computados em conjunto como forma de facilitar a superação da taxa mínima de desempenho. Acertadame­nte, os deputados excluíram tal possibilid­ade, que serviria como uma brecha para legendas nanicas. Cristalina, a experiênci­a indica que oferecer facilidade­s a partidos sem voto não contribui para uma melhor representa­ção do pluralismo existente na população. É antes um elemento de distorção.

Os dois passos dados pela Câmara revelam, uma vez mais, o longo caminho que se tem pela frente até um sistema político minimament­e funcional, capaz de expressar o interesse público e a vontade da população.

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