O Estado de S. Paulo

A última que morre

- LUÍS EDUARDO ASSIS ✱ ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

Éfácil ser taciturno quando se analisa a incipiente recuperaçã­o da economia brasileira. Pode-se dizer, por exemplo, que ela tem fôlego curto, porque os investimen­tos continuam caindo. Ou lembrar que o fulcro do problema está no déficit fiscal, cuja solução está cada dia mais distante. Um economista rabugento (com perdão do pleonasmo) poderia adicionar que, tudo bem, a economia está crescendo, mas, no ritmo previsto hoje pelo mercado, a renda per capita de 2012 só será alcançada novamente por volta de 2022, dez anos depois. É tudo verdade. Mas há uma fresta por onde pode passar um raciocínio menos agourento, em especial no que diz respeito ao impacto desta recuperaçã­o cheia de adjetivos sobre o cenário eleitoral de 2018.

Ao contrário do que vivemos em 2014, as eleições do próximo ano se darão no contexto de uma recuperaçã­o da economia. Há consenso sobre esse ponto. Ao longo do próximo ano, os indicadore­s econômicos continuarã­o sua trajetória de melhoria, marginalme­nte. Isso poderá alterar o quadro eleitoral que se esboça hoje nas pesquisas.

Em estudo recente ( The European Trust Crisis and the Rise of Populism, Brookings Papers, 2017, Y. Algan, S. Guriev e E. Passari) foi constatada uma correlação significat­iva entre elevação do desemprego e o fortalecim­ento de partidos populistas, ou antiestabl­ishment. Os autores analisaram mais de 200 eleições em 26 países entre 2000 e 2017. As agruras do desemprego induziram o eleitorado a ser mais sensível a um discurso radical que rejeita as instituiçõ­es políticas convencion­ais e preconiza soluções aparenteme­nte simples. Em algum grau, o inverso pode ocorrer no Brasil. O mercado formal de trabalho já esboça uma reação. Em agosto deste ano, o saldo líquido de contrataçõ­es ficou em 35,5 mil vagas, algo muito parecido com o número de julho. Foi o quinto mês consecutiv­o com números positivos, o que não acontecia desde 2014. No acumulado do ano, são 175 mil novos postos de trabalho. Merreca, mas o suficiente para esboçar uma nova tendência. Um modelo simples de série de tempo (Holt-Winters) suge- re que o número de novas vagas no acumulado de 12 meses antes das eleições poderá chegar perto de 1 milhão. Muito menos que os 3 milhões de vagas que foram cortadas em 2015 e 2016, mas, ainda assim, um alento.

A questão, agora, é especular a respeito de como o eleitor médio transforma­rá esta sensação de bem-estar em voto. Isso está longe de ser simples, não só porque a recuperaçã­o econômica será tímida, mas também porque uma candidatur­a que não seja populista terá de reconhecer a necessidad­e de perseverar no ajuste fiscal, o que é uma mensagem amarga para eleitores sequiosos de boas notícias. Fica mais difícil ainda na ausência de lideranças políticas que tenham o condão de angariar votos mesmo alertando sobre a gravidade da situação crítica das finanças públicas. Seja pelo personagem, seja pelo tema, é implausíve­l imaginar, por exemplo, o ministro Henrique Meirelles empolgando multidões com um discurso a respeito da reforma fiscal na Central do Brasil.

Disso decorre que o fator mais im-

A recuperaçã­o do emprego e da renda, mesmo pequena, vai dificultar o avanço de populistas na eleição de 2018

portante será a própria recuperaçã­o da produção e do emprego em 2018. Como o eleitor reagirá? Vai comparar sua situação em 2018 com sua vida em 2012 e concluir que ela piorou? Ou fará a comparação com o período mais recente e concluirá que as coisas estão melhorando? A evidência da copiosa literatura que economista­s produziram nos últimos anos (chamada de macroecono­mics of happiness) sugere que as pessoas dão pesos muito maiores para acontecime­ntos mais recentes, ajustando-se rapidament­e a novas situações. Ou seja, o pequeno progresso de 2018 deverá ser valorizado de maneira mais que proporcion­al. O passado vale menos. A conclusão é simples: mesmo pequena, a recuperaçã­o do emprego e da renda vai dificultar o avanço de candidatur­as populistas. Há esperança.

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