A última que morre
Éfácil ser taciturno quando se analisa a incipiente recuperação da economia brasileira. Pode-se dizer, por exemplo, que ela tem fôlego curto, porque os investimentos continuam caindo. Ou lembrar que o fulcro do problema está no déficit fiscal, cuja solução está cada dia mais distante. Um economista rabugento (com perdão do pleonasmo) poderia adicionar que, tudo bem, a economia está crescendo, mas, no ritmo previsto hoje pelo mercado, a renda per capita de 2012 só será alcançada novamente por volta de 2022, dez anos depois. É tudo verdade. Mas há uma fresta por onde pode passar um raciocínio menos agourento, em especial no que diz respeito ao impacto desta recuperação cheia de adjetivos sobre o cenário eleitoral de 2018.
Ao contrário do que vivemos em 2014, as eleições do próximo ano se darão no contexto de uma recuperação da economia. Há consenso sobre esse ponto. Ao longo do próximo ano, os indicadores econômicos continuarão sua trajetória de melhoria, marginalmente. Isso poderá alterar o quadro eleitoral que se esboça hoje nas pesquisas.
Em estudo recente ( The European Trust Crisis and the Rise of Populism, Brookings Papers, 2017, Y. Algan, S. Guriev e E. Passari) foi constatada uma correlação significativa entre elevação do desemprego e o fortalecimento de partidos populistas, ou antiestablishment. Os autores analisaram mais de 200 eleições em 26 países entre 2000 e 2017. As agruras do desemprego induziram o eleitorado a ser mais sensível a um discurso radical que rejeita as instituições políticas convencionais e preconiza soluções aparentemente simples. Em algum grau, o inverso pode ocorrer no Brasil. O mercado formal de trabalho já esboça uma reação. Em agosto deste ano, o saldo líquido de contratações ficou em 35,5 mil vagas, algo muito parecido com o número de julho. Foi o quinto mês consecutivo com números positivos, o que não acontecia desde 2014. No acumulado do ano, são 175 mil novos postos de trabalho. Merreca, mas o suficiente para esboçar uma nova tendência. Um modelo simples de série de tempo (Holt-Winters) suge- re que o número de novas vagas no acumulado de 12 meses antes das eleições poderá chegar perto de 1 milhão. Muito menos que os 3 milhões de vagas que foram cortadas em 2015 e 2016, mas, ainda assim, um alento.
A questão, agora, é especular a respeito de como o eleitor médio transformará esta sensação de bem-estar em voto. Isso está longe de ser simples, não só porque a recuperação econômica será tímida, mas também porque uma candidatura que não seja populista terá de reconhecer a necessidade de perseverar no ajuste fiscal, o que é uma mensagem amarga para eleitores sequiosos de boas notícias. Fica mais difícil ainda na ausência de lideranças políticas que tenham o condão de angariar votos mesmo alertando sobre a gravidade da situação crítica das finanças públicas. Seja pelo personagem, seja pelo tema, é implausível imaginar, por exemplo, o ministro Henrique Meirelles empolgando multidões com um discurso a respeito da reforma fiscal na Central do Brasil.
Disso decorre que o fator mais im-
A recuperação do emprego e da renda, mesmo pequena, vai dificultar o avanço de populistas na eleição de 2018
portante será a própria recuperação da produção e do emprego em 2018. Como o eleitor reagirá? Vai comparar sua situação em 2018 com sua vida em 2012 e concluir que ela piorou? Ou fará a comparação com o período mais recente e concluirá que as coisas estão melhorando? A evidência da copiosa literatura que economistas produziram nos últimos anos (chamada de macroeconomics of happiness) sugere que as pessoas dão pesos muito maiores para acontecimentos mais recentes, ajustando-se rapidamente a novas situações. Ou seja, o pequeno progresso de 2018 deverá ser valorizado de maneira mais que proporcional. O passado vale menos. A conclusão é simples: mesmo pequena, a recuperação do emprego e da renda vai dificultar o avanço de candidaturas populistas. Há esperança.