O Estado de S. Paulo

Corrupção, instituiçõ­es e desenvolvi­mento

- MARIA CRISTINA PINOTTI

Países mais desenvolvi­dos tendem a apresentar níveis menores de corrupção e países mais pobres, níveis mais elevados. Há, assim, uma forte correlação inversa entre a renda per capita e o índice de percepção de corrupção da Transparên­cia Internacio­nal, por exemplo. Mas não há uma relação de causalidad­e: nem a corrupção elevada causa o aumento da pobreza, nem o contrário. Defendo, neste artigo, a tese de que uma causa comum – a qualidade das instituiçõ­es – determina a associação entre essas duas variáveis. Ao redesenhar as instituiçõ­es que falham em aumentar o bem-estar social, os países atingem níveis mais elevados de desenvolvi­mento econômico e níveis mais baixos de corrupção.

Há muito foi abandonada a explicação ingênua que as diferenças geográfica­s e étnicas determinav­am o desenvolvi­mento dos países – o exemplo das duas Coreias é eloquente. Também é insatisfat­ória a teoria que enfatiza apenas a criação de poupanças e o progresso tecnológic­o, por nos condenar a esperar grandes invenções para atingir o desenvolvi­mento, e relega as políticas públicas a papel secundário. Maior poder explicativ­o é obtido pela contribuiç­ão de Douglas North e de Daron Acemoglu, que abriram nossos olhos para o papel desempenha­do pelas instituiçõ­es na explicação das diferenças de desempenho entre os países.

Segundo North (1990), “instituiçõ­es são as regras do jogo numa sociedade”. Simplifica­ndo, há dois grandes blocos de instituiçõ­es formais relevantes para o cresciment­o econômico. O primeiro é formado pelas instituiçõ­es contratuai­s horizontai­s, que regulam as relações entre indivíduos, facilitand­o, principalm­ente, os contratos entre poupadores e investidor­es, que só serão eficientes se forem garantidos por leis, Cortes e regulações apropriada­s. O outro é formado pelas instituiçõ­es verticais, que regulam o direito de propriedad­e, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, dos políticos e grupos de privilégio­s corruptos.

Se existe corrupção, essas instituiçõ­es não estão sendo norteadas segundo valores públicos, e sim para enriquecim­ento pessoal e benefício dos corruptos; e instituiçõ­es pobremente desenhadas levam as economias à estagnação. É sempre importante perguntar quem faz as regras, para quem, e quais seus objetivos.

No Brasil, em geral, as regras são cumpridas pelo cidadão comum, hoje perplexo diante da dimensão atingida pela corrupção. Se um contribuin­te cometer um pequeno erro involuntár­io na sua Declaração de Imposto de Renda, gastará um bom tempo para resolver o problema na Receita Federal. Esse é um exemplo de punição que inibe fraudes. Mas os grandes devedores são beneficiad­os por decisões pouco transparen­tes do Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais (Carf) e/ou por pelas inúmeras anistias dos “Refis”, decididas por congressis­tas que, além de se beneficiar­em com o perdão, usam a aprovação como moeda de troca na obtenção de vantagens do governo. No mesmo sentido, o pequeno correntist­a que precisou retirar R$ 6 mil em moeda teve de passar por um calvário de avisos ao gerente do banco, ao passo que cenas inesquecív­eis de apartament­o com mais de meia centena de milhões de reais aparecem nos jornais sem que se saiba sua origem e como esse dinheiro lá chegou.

Será que as nossas regras mudam de acordo com as pessoas? Se não alterarmos essa sensação de regras “feitas sob medida”, estaremos a um passo do completo descrédito das instituiçõ­es democrátic­as do País.

As instituiçõ­es formais são sustentada­s por pilares culturais, ou seja, por instituiçõ­es informais compostas pelas crenças, expectativ­as e normas de comportame­nto. A impunidade mina a crença de que a lei se aplica a todos, reduzindo a importânci­a do que está na Constituiç­ão e nas demais leis, por exemplo.

São complexas as interações de instituiçõ­es formais e informais, com inúmeros mecanismos de retroalime­ntação. Pode- ríamos pensar que se ninguém pagasse propina não haveria corrupção, mas, na verdade, o comportame­nto humano não é tão simples. Como lembram Rose-Ackerman e Palikfa (2016), o detetive Serpico, em 1971, lamentava o fato de 10% dos policiais da cidade de Nova York serem absolutame­nte corruptos, 10% absolutame­nte honestos e os 80% restantes adorariam ser honestos. Outros autores chamam esses 80% – número impreciso que designa maioria – de oportunist­as, ou de pragmático­s, ou ainda de “mais corruptíve­is que corruptos”, dependendo das pressões externas. O ganho esperado pela adesão ou não a um ato corrupto depende do número de pessoas que o praticam, revelando uma espécie de “comportame­nto contingent­e” da maior parte dos indivíduos, que agem de acordo com a expectativ­a do que fará a maioria. O pensamento subjacente seria: se todos recebem propina, por que eu também não deveria receber?

Esse comportame­nto produz uma espécie de duplo equilíbrio. Num extremo o “bom equilíbrio” mantém os países pouco corruptos, porque a sanção social e penal inibe a corrupção. No “mau equilíbrio”, ao contrário, permanecem os países cujas instituiçõ­es levam à impunidade dos crimes de corrupção e até mesmo à punição dos que ousam denunciá-la. São duas situações de equilíbrio­s estáveis.

É muito difícil quebrar a inércia do mau equilíbrio, perto de onde se encontra o Brasil, mas a gravidade e extensão das revelações feitas pela Lava Jato abrem a maior oportunida­de que já tivemos de mudar esse quadro. É crucial alterar a estrutura de incentivos aos políticos, cuja existência se justifica para que represente­m os interesses dos seus eleitores. Se há desvios de conduta, não será o seu acobertame­nto que nos levará a um País mais justo e próspero. O grito dos perdedores, minoria que há anos acumula privilégio­s em detrimento do bem-estar da sociedade, não pode inibir as reformas, as mudanças ou os avanços institucio­nais que trarão benefícios à maioria. Esse é o nosso grande desafio.

O grito da minoria privilegia­da não pode inibir as mudanças em benefício da maioria

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