O Estado de S. Paulo

Após votação, catalães pressionam governo em Madri.

- GILLES LAPOUGE EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR

Vamos partir desse axioma: um político, quando está à frente do Estado, é necessaria­mente um homem inteligent­e. Sobretudo quando ocupa essa posição invejável dentro da Europa, continente que é “pai das artes, das letras, da guerra e das ciências políticas”. Se essas premissas estiverem corretas, então, Mariano Rajoy, primeiromi­nistro da Espanha, deve ter um cérebro poderoso. Mas se comportou como um burro no confronto com a Catalunha e Barcelona.

Como explicar esse erro? Aqui podemos propor outro axioma: todo chefe de Estado se torna tolo, furioso e idiota quando a unidade de seu território se vê ameaçada por uma força independen­tista. Os exemplos são infinitos. Vamos nos contentar com a França. Depois da última guerra, o país tratou com desprezo, raiva ou silêncio as revoltas de Indochina e Argélia, suas antigas colônias. Resultado: duas guerras espantosas, que terminaram, na Indochina e também na Argélia, com uma vergonhosa derrota da França.

Rajoy acaba de cometer o mesmo erro dos franceses. Tratou a reivindica­ção catalã com silêncio e, de repente, lá estava ele com uma granada nas mãos. Sua resposta às demandas catalãs foi tão ruim que é surpreende­nte que a União Europeia não tenha tentado a mediação. Diz-se que a UE não tinha direito de intervir. Não é verdade. O artigo 2º do Tratado da União Europeia autoriza esse tipo de intervençã­o. Recentemen­te, a UE interveio junto aos governos da Hungria, da Polônia e até da França sobre a questão dos xiganos.

A chave da inércia da Europa é, provavelme­nte, Angela Merkel. Mariano Rajoy é membro do PPE (Partido Conservado­r Europeu). A chanceler alemã também. Rajoy é, portanto, um “protegido” da chanceler, assim como qualquer outro membro do PPE. O presidente da Comissão de Bruxelas, Jean Claude Juncker, é outro membro do partido. Ele sempre obedece Merkel, com a coleira apertada no pescoço. Foi assim que a UE deixou dois trens em rota de colisão, o trem de Madrid e o trem de Barcelona.

A estupidez de Rajoy trouxe esse resultado: mais uma rachadura se formando em um país europeu. Caiu muito mal. Toda a Europa está abalada: após anos de queixas, eurocetici­smo e avanço de populistas de extrema direita, acreditava-se que a Europa estava no caminho da cura. Os “populistas” (Le Pen etc.) foram maltratado­s nas eleições — sobretudo na França, onde um novo presidente brilhante e ousado, Emmnuel Macron, se apresentou como fervoroso defensor da União Europeia – o que não é comum entre os chefes de Estado europeus.

No momento em que o impetuoso Macron estava prestes a se encontrar com Merkel para estabelece­r o “calendário da reconquist­a”, a primeira-ministra caiu. Ela continua com o poder em Berlim, mas está muito fraca para impor uma “marcha forçada” rumo à Europa lado a lado com o presidente francês. A cabeça pensante da Europa está com enxaqueca.

E outros dramas estão surgindo aqui e ali. Os escoceses, que guardam um grande desejo de independên­cia, também criticaram severament­e a intransigê­ncia de Rajoy.

A mesma febre afeta outras regiões do Velho Continente: os bascos espanhóis acompanhar­am apaixonada­mente a luta dos “independen­tistas catalães”. A Córsega (França) enviou observador­es para as ruas de Barcelona. O norte da Itália e a Flandres belga estão de olho em Barcelona. Da flexibilid­ade e da inteligênc­ia de Rajoy – ou de sua indolência e nulidade – dependerá o futuro sorridente ou tenebroso da Europa./

É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

A mesma febre catalã atinge outras regiões do Velho Continente

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil