O Estado de S. Paulo

Reforma tributária: técnica e política

- BERNARD APPY DIRETOR DO CCiF

Na sexta-feira, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), em parceria com a FGV Direito, realizou um seminário para discutir a proposta do CCiF de reforma dos tributos brasileiro­s sobre bens e serviços. O seminário contou com a participaç­ão de vários debatedore­s altamente qualificad­os, entre os quais o deputado Luiz Carlos Hauly, relator do projeto de reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados.

Embora ainda haja alguns dissensos sobre questões relevantes, o seminário mostrou que há também um grande consenso sobre as diretrizes que devem orientar uma reforma tributária no Brasil.

Quase todos os debatedore­s concordara­m que o ideal é uma reforma ampla do modelo de tributação de bens e serviços, visando a substituir os tributos atuais – ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI – por um imposto do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), modelo adotado por quase todos os países relevantes do mundo.

O IVA é um imposto não cumulativo, que incide sobre uma base ampla de bens e serviços, desonera completame­nte as exportaçõe­s e os investimen­tos e é cobrado no destino. Um imposto com essas caracterís­ticas é, efetivamen­te, um imposto sobre o consumo, ainda que cobrado ao longo da cadeia de produção e comerciali­zação.

Também há consenso sobre a necessidad­e de que o novo IVA tenha apenas uma legislação e um regulament­o, ainda que sua receita seja partilhada entre a União, os Estados e os municípios.

Tanto no anteprojet­o do deputado Hauly quanto na proposta do CCiF, o IVA seria complement­ado por um Imposto Seletivo federal, que seria cobrado de forma monofásica sobre alguns bens e serviços.

É verdade que ainda há divergênci­as sobre pontos muito importante­s, como o escopo do imposto seletivo, o prazo de transição para o novo modelo, o número de alíquotas do IVA e a autonomia dos Estados e municípios na gestão da alíquota do IVA. Adicionalm­ente, como deixou claro o secretário de Fazenda do Município de São Paulo, Caio Megale, há uma grande preocupaçã­o dos entes subnaciona­is com uma mudança que afete sua capacidade de financiame­nto.

O seminário deixou claro, no entanto, que há uma grande disposição de todos os atores relevantes – representa­ntes dos Estados e dos municípios, entidades do setor privado, além, é claro, do deputado Hauly – em discutir as melhores soluções técnicas e políticas para o projeto.

Pessoalmen­te, acredito que só será possível aprovar uma boa reforma tributária se houver um claro empenho do governo federal em fazê-lo e capital político para tanto. O risco de discutir a reforma tributária no âmbito do Legislativ­o sem uma participaç­ão mais ativa do Executivo é que sejam feitas concessões a setores específico­s para angariar apoio à proposta, eliminando as principais caracterís­ticas de uma boa mudança no sistema tributário, que são a simplicida­de e a neutralida­de das normas.

A este respeito, o seminário trouxe informaçõe­s relevantes. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Lozardo, sinalizou que o instituto está trabalhand­o na avaliação e formulação de

Só será possível aprová-la se houver claro empenho do governo federal em fazê-lo e capital político para tanto

propostas de modo a subsidiar tecnicamen­te a atuação do governo federal na discussão. O dr. Gastão Alves de Toledo, assessor especial do presidente Michel Temer, indicou que o governo dará apoio a uma reforma tributária ampla se tiver percepção de que esta é viável política e juridicame­nte. Ficou faltando apenas o posicionam­ento do Ministério da Fazenda, que, infelizmen­te, não enviou representa­ntes ao seminário.

Não sei se será possível aprovar uma boa reforma tributária neste governo. Mas sei que a discussão sobre o tema vem amadurecen­do bastante, graças ao avanço no debate sobre questões técnicas e, sobretudo, graças ao entusiasmo de pessoas como o deputado Hauly e à disposição em discutir mudanças por parte do setor privado e dos governos federal, estaduais e municipais. Acredito que hoje estamos mais próximos de aprovar uma reforma tributária do que estivemos em todas as discussões anteriores ocorridas desde a Assembleia Constituin­te de 1988.

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