O Estado de S. Paulo

Pontos de luz no meio da escuridão

Para encontrar paz no caos, Isabel Lenza compõe canções e se prepara para lançar o primeiro disco da carreira

- Pedro Antunes

Isabel Lenza recebia convite dos amigos, ligações, mensagens. E recusava todos. Seus sábados tinham um encontro marcado com ela mesma. Ouvia os registros da própria voz a cantarolar melodias gravadas momentos antes de dormir, quando estava naquele momento que antecede o sono. Só, vasculhava por frases e versos anotados em um caderninho, onde buscava encontrar o encaixe entre a palavra e o cantarolar. Ela sempre esteve com a música, mas nunca na frente do palco, com o microfone à sua frente, banda nas costas.

Compositor­a, já assinou parcerias com outros artistas ( De Graça, o segundo disco de Marcelo Jeneci, por exemplo, tem seis parcerias dela com ele, de um total de 13 canções), mas estar com um disco próprio era algo distante. Segundo ela, “precisava parar de pensar com a cabeça, usar mais o coração”. Ela cavou, cavou, cavou. Precisou deixar o coração sair, no momento no qual ele estava mais contraído, como conta Isabel. E o que surgiu, dali, depois de tanto minerar, é Ouro, o álbum de estreia da artista, disponível nas plataforma­s digitais a partir desta sexta-feira, 6.

É o resultado de um processo de aceitação, um despertar com- pleto de uma artista aos 35 anos. Não por acaso, o álbum se inicia com Sintropia. “Sim para o menos mental / Sim para o real”, canta ela, enquanto a percussão martela, o oudi (uma espécie de alaúde árabe) pincela e os violi- nos choram. Num clima escuro, a voz de Isabel é o brilho, o ponto guia, o caminho para chegar ao fim do túnel. Sintropia, afinal, é isso: colocar ordem no que está quebrado.

Pouco antes de iniciar o proces- so de composição do disco, Isabel se partiu. Perdeu o pai, o chão, a clareza. “Tive dias ruins nos quais o que eu não queria mais era pensar na minha vida”, ela conta. “Precisei buscar meios de fazer isso ou morreria de triste- za, de dor. Naturalmen­te percebi que estava começando a criar. O lado mais racional é muito crítico, muito analítico. É, no fim das contas, um grande bloqueador de talento, não é? Tomei consciênci­a disso e tentei mudar.”

Antes mesmo de ter canções prontas, buscou conselhos dos amigos (e produtores) Kassin e Gustavo Ruiz e ouviu, de ambos, que o que estava nascendo nas suas tardes de sábado era um álbum. Conheceu Fabio Pinczowski, também produtor, numa festa. Conversara­m por duas horas, pelo menos. Com ele, seguiu na busca da sonoridade de cada uma das canções.

Ouro, apoiado por uma banda formada em grande parte das canções por Bruno Buarque (bateria e percussão), Marcelo Dworecki (baixo), Maurício Fleury (teclado), reluz. Mesmo quando canta o desamor, como Isso É Castigo, por exemplo, a guitarrada de Pedro Sá desdenha jocosament­e do coração partido.

Não se trata de um disco de apenas um olhar para fora. São visões múltiplas a respeito de questões que extrapolar­am Isabel e sua racionalid­ade inconscien­te. O título já é o acerto. Porque o álbum da artista não é sombrio como sua origem sugere. Isabel cita a técnica japonesa de restauraçã­o de cerâmica chamada kintsugi com a qual os cacos são colados com uma resina misturada a pó de ouro. “O vaso restaurado fica ainda mais bonito”, ela diz, numa metáfora de si. “As cicatrizes ficam expostas, mas o objeto se torna mais resistente.”

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ALTAFONTE; PLATAFORMA­S DIGITAIS O que reluz. Com o álbum ‘Ouro’, artista acostumada a compor se descobre enfim completa, inclusive diante do microfone
RENATA TEREPINS ISABEL LENZA ‘OURO’ ALTAFONTE; PLATAFORMA­S DIGITAIS O que reluz. Com o álbum ‘Ouro’, artista acostumada a compor se descobre enfim completa, inclusive diante do microfone

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