O Estado de S. Paulo

O equívoco da reforma tributária

- EVERARDO MACIEL CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

Mais uma vez, retoma-se o debate sobre projetos de reforma tributária, com pretensões excessivam­ente ambiciosas. Todos os sistemas tributário­s são imperfeito­s, pois resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos Parlamento­s. Não são maquetes ou aplicativo­s. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexida­de de relações econômicas e sociais numa sociedade.

Essa complexida­de, por sua vez, é crescente, pois os sistemas tributário­s vão, ao longo do tempo, incorporan­do alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concep- ção original. A imperfeiçã­o e a complexida­de, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributário­s, no contexto de uma idealizaçã­o improvável e pouco útil.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégic­as visando a eliminá-los ou mitigá-los. Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaní­acas de reforma tributária. Mudanças têm custos e riscos. Estabilida­de normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para a decisão sobre investimen­tos privados. Em entrevista à Veja (27/9), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupaçã­o quanto à tributação brasileira era a imprevisib­ilidade. Acrescento­u que, na Norue- ga, era alta a tributação da atividade petrolífer­a (78%), mas estável. Em entrevista ao Financial Times, veiculada no Valor (28/4), Warren Buffet, um dos maiores investidor­es do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuin­te. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferencia­do sobre os contribuin­tes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureir­o. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer da nossa imorredour­a vocação para copiar modelos de outros países construído­s em circunstân­cias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias. O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescên­cia, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Enquanto isso, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidad­es tributária­s: o burocratis­mo, a indetermin­ação conceitual e o processo tributário. A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituiçã­o de impostos, os óbices à compensaçã­o, etc.

É certo que indetermin­ação conceitual sempre haverá, demandando a intervençã­o esclareced­ora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados. O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamo­s conceitos como faturament­o, receita bruta, indenizaçã­o para fins tributário­s, dissolução irregular de empresas, responsabi­lidade solidária dos sócios, substituiç­ão tributária, planejamen­to tributário abusivo, etc. É um absurdo. O processo, do lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiênc­ia.

Na União, os valores em discussão administra­tiva e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspond­em a mais que o dobro da arrecadaçã­o anual de tributos. Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que, dos impression­antes 80 milhões de processos pendentes na Justiça, cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidad­es tributária­s. Mas ela não tem o charme do desenho de um novo, imprevisív­el e desnecessá­rio modelo tributário. Recorro a Einstein: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

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