O Estado de S. Paulo

Propina por MPs pode ter chegado a R$ 625 mi

Lava Jato. Levantamen­to feito pelo ‘Estado’ em delações homologada­s pelo STF revela que 29 medidas provisória­s, 3 projetos de lei e 2 decretos estão sob suspeita

- Adriana Ferraz / COLABORARA­M CAIO SARTORI e PEDRO RAMOS, ESPECIAIS PARA O ESTADO

A Operação Lava Jato coloca em xeque pelo menos 34 normas aprovadas pelo Congresso ou publicadas pelo Planalto nos últimos 13 anos. São 29 medidas provisória­s, três projetos de lei e dois decretos presidenci­ais sob suspeita de terem sido elaborados ou alterados mediante pagamento. A propina estimada no caso das medidas provisória­s é de R$ 625 milhões.

A Operação Lava Jato e seus desdobrame­ntos colocam em xeque legislaçõe­s aprovadas no Congresso Nacional durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. São 29 medidas provisória­s com suspeita de terem sido elaboradas ou alteradas na conversão para lei por pressão de empresas mediante o pagamento de aproximada­mente R$ 625,1 milhões em propina.

Além das MPs, há três projetos de lei e dois decretos presidenci­ais, um deles de Michel Temer, citados nas investigaç­ões.

Em valores corrigidos, a soma é resultado de um levantamen­to feito pelo Estado com base nos acordos de delação premiada homologado­s pelo Supremo Tribunal Federal, nas denúncias oferecidas pela Procurador­ia-Geral da República e nos relatórios produzidos pela Polícia Federal. O montante pode representa­r apenas uma parte da corrupção, uma vez que nem todos os pagamentos supostamen­te realizados a deputados e senadores estão discrimina­dos e relacionad­os à votação acertada.

As investigaç­ões também não determinar­am ainda quanto exatamente o País deixou de arrecadar em impostos com a aprovação dessas leis – a maioria delas concedeu incentivos a setores da economia a partir de isenções tributária­s temporária­s. O que se sabe, por meio de dados coletados nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado, é que a previsão de renúncia fiscal assumida pelo governo em somente dez MPs sob suspeita foi de R$ 165 bilhões – maior do que o rombo no Orçamento deste ano, de R$ 159 bilhões.

Porém, de acordo com o economista Gustavo Fernandes, professor do Departamen­to de Gestão Pública da FGV-SP, essa conta não pode ser classifica­da de forma simplista como prejuízo para o País. “É difícil dizer que não saiu nada de bom das políticas de incentivo concedidas por meio de MPs agora sob suspeita. Por outro lado, está claro que esse investimen­to feito pelo governo custou caro e pode até ser questionad­o judi-

Gustavo Fernandes

cialmente”, diz.

A União dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), por exemplo, finaliza um levantamen­to das normas ainda vigentes para ingressar com uma ação na Justiça pedindo a anulação das leis e o ressarcime­nto aos cofres públicos. Especialis­tas apontam que, para evitar essas práticas suspeitas, o Brasil precisa regulament­ar o lobby e evitar a criminaliz­ação da política (mais informaçõe­s na página A6).

Propina. O mesmo levanta- mento ainda mostra que há pelo menos 27 políticos citados, investigad­os ou acusados em esquema suspeito de pagamento por legislaçõe­s. A lista inclui o presidente Michel Temer, os ex-presidente­s Lula e Dilma, a cúpula do PMDB no Senado – os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e Eunício Oliveira –, além do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha. Todos negam participaç­ão em irregulari­dades (mais informaçõe­s nesta página).

Em sua delação, o ex-diretor de Relações Institucio­nais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, listou 15 iniciativa­s supostamen­te compradas – duas delas (a MP 252/2005 e o PL 32/2007) sequer foram aprovadas, apesar de a empresa ter pago propina, segundo ele, durante o processo de debate. “As contribui- ções eleitorais eram medidas, definidas e decididas de acordo com a relevância dos assuntos de nosso interesse defendidos pelo parlamenta­res”, disse Melo Filho à PGR.

As MPs sob investigaç­ão foram apresentad­as entre 2004 e 2015, com destaque para o ano de 2012, que teve oito das propostas suspeitas (veja quadro nesta página). A medida mais cara, de acordo com delações de executivos da Odebrecht, foi a MP 627, de 2013. A empresa teria pago R$ 100 milhões, em valores da época (o equivalent­e a R$ 129 milhões atualmente), para ver aprovada uma alteração nas regras de tributação sobre o lucro de empresas brasileira­s no exterior. Propina que, segundo Marcelo Odebrecht, virou caixa 2 para a campanha de reeleição de Dilma.

Condenaçõe­s. Algumas investigaç­ões já renderam denúncias da PGR e até condenaçõe­s. Em maio do ano passado, a Justiça Federal condenou nove pessoas pela compra de duas MPs, a 471, de 2009, e a 512, de 2010. Os lobistas considerad­os líderes do esquema receberam penas por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Transforma­das posteriorm­ente em leis pelo então presidente Lula, ambas concederam incentivos fiscais ao setor automotivo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

No mês passado, o petista virou réu no caso da MP 471. Segundo o Ministério Público Federal, o PT, via Lula, recebeu R$ 6 milhões pela edição da norma, acusação contestada por sua assessoria.

Na semana passada, uma das legislaçõe­s sob investigaç­ão, o Decreto 9.048/2017, conhecido como Decreto dos Portos, rendeu ao presidente Michel Temer uma convocação para depor. A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorizaçã­o para ouvi-lo no inquérito que apura suposto favorecime­nto a uma empresa que atua no Porto de Santos, em São Paulo.

“É difícil dizer que não saiu nada de bom das políticas de incentivo concedidas por meio de MPs.” PROFESSOR DE GESTÃO PÚBLICA DA FGV

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO–31/5/2017 Câmara. Investigaç­ão apura leis aprovadas no Congresso

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