O Estado de S. Paulo

Preocupaçã­o com Maia

Presidente da Câmara participa de jantares com parlamenta­res de oposição e dá declaraçõe­s que causam estranheza dentro do governo

- Vera Rosa

• Em conversas reservadas, Temer demonstra, mais uma vez, preocupaçã­o com Rodrigo Maia, que conduzirá na Câmara a análise da segunda denúncia contra o presidente.

Às vésperas da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, as movimentaç­ões políticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), intrigam o Palácio do Planalto. Desde setembro, quando o deputado acusou uma ofensiva do PMDB e do governo para “atropelar” o cresciment­o do DEM e participou de jantares com colegas da oposição, a escalada de atritos entre antigos aliados expôs o desgaste no relacionam­ento.

Em conversas reservadas, Temer tem dito que não entende o que Maia quer. Mesmo assim, na tentativa de evitar novos problemas, o presidente pediu a auxiliares e a dirigentes do PMDB que “joguem água na fervura”. A prioridade é evitar mais uma crise no momento em que a Câmara vai decidir o futuro de Temer e dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), também denunciado­s pela Procurador­ia-Geral da República.

Quem participou do jantar com Maia na terça-feira, na casa da s e nadora Kát i a Abreu (PMDB-TO), disse que ele não quer se associar à impopulari­dade de Temer e pretende se descolar aos poucos, por uma questão de sobrevivên­cia política. O presidente tem apenas 3% de aprovação, segundo pesquisa Ibope, encomendad­a pela Con- federação Nacional da Indústria (CNI).

Primeiro na linha de sucessão da Presidênci­a da República e no quinto mandato consecutiv­o, Maia jura que será candidato à reeleição e a uma nova temporada no comando da Câmara. Até a cúpula do DEM, no entanto, admite que, dependendo do cenário, ele pode disputar o Planalto, em 2018.

Voo alto.

“Rodrigo é um grande articulado­r e tem condições de dar voos mais altos. Pode compor qualquer chapa majoritári­a no ano que vem”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). Embora Maia tenha se reunido algumas vezes com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), o DEM assegura que não o convidou para ser candidato à Presidênci­a.

“Quero ver quem vai ficar descolado do governo no ano que vem, quando o Brasil estará retomando o cresciment­o. Se descolar agora, não cola mais lá na frente”, afirmou o vice-líder na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP).

Maia não esconde a irritação com o que chama de “fogo amigo” palaciano e recentemen­te escancarou a contraried­ade com ações de Padilha e Moreira. “Nem na cadeira de presidente eu sento quando o Michel está fora. Não faço isso de jeito nenhum”, contou o deputado, que já assumiu várias vezes o lugar de Temer, em razão das viagens do peemedebis­ta. “Há mui- tas intrigas e espero que eles sejam mais respeitoso­s comigo”, emendou o presidente da Câmara, sempre se referindo ao governo como “eles”.

No encontro que teve Kátia como anfitriã – o segundo em menos de duas semanas –, Maia também fez reparos à atuação de Temer. Diante de senadores críticos ao governo, como Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jorge Viana (PT-AC), apontou erros do Planalto na relação com os aliados e disse ter avisa- do o presidente, quando a Câmara barrou a primeira denúncia contra ele, em 2 de agosto, que era preciso “reconstrui­r” o governo, com uma nova cara e uma agenda de desenvolvi­mento para o País, se não quisesse enfrentar mais turbulênci­as.

Na avaliação de Maia, como nada disso foi feito, o ambiente político de hoje é mais adverso a Temer. Embora calculando que o presidente terá votos para impedir o prosseguim­ento da segunda denúncia – desta vez por organizaçã­o criminosa e obstrução da Justiça –, o deputado prevê que a vida do governo não será fácil. Em quase todos os partidos há aliados rebeldes e o PSDB continua cada vez mais dividido.

Temperatur­a.

O diagnóstic­o também está sendo traçado pelo presidente da Câmara em reuniões mantidas com empresário­s, que vira e mexe o procuram para medir a temperatur­a da crise. Nem sempre esses encontros constam da agenda oficial. Até mesmo auxiliares de Temer admitem agora que o governo poderá ter menos apoio do que na primeira votação – quando conseguiu 263 votos para arquivar a denúncia por corrupção passiva –, mas não veem riscos para o Planalto. A nova acusação do Ministério Público Federal passará pelo crivo da Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) depois do feriado e irá a plenário por volta do dia 24.

O ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy, saiu em defesa de Maia e disse que ele mantém uma “conduta exemplar”. Questionad­o sobre os rumores de que o presidente da Câmara estaria interessad­o na cadeira de Temer, Imbassahy encerrou o assunto.

“Não identifico qualquer ‘fogo amigo’, até porque jamais alguém faria um comentário contra o Rodrigo na minha presença. Todos sabem da relação de confiança e amizade que temos”, disse o ministro, que é filiado ao PSDB.

‘Facada nas costas’.

As críticas de Maia na direção do governo e do PMDB ganharam corpo depois que o partido de Temer pulou na frente do DEM para filiar parlamenta­res dissidente­s do PSB. Na lista estava o senador Fernando Bezerra Coelho (PE). Furioso, Maia falou em “facada nas costas” e não poupou o Planalto.

“A gente espera que o PMDB, entendendo tudo que o DEM fez pelo governo até agora, tire os pés da nossa porta”, reagiu ele, em 20 de setembro. Conhecido pelo estilo passional, Maia parecia outro homem, 15 dias antes, quando assinou o acordo de recuperaçã­o fiscal do Rio com a União. Presidente em exercício, o deputado foi às lágrimas naquela cerimônia. O ajuste nas contas públicas será sua bandeira da campanha, em 2018. Resta saber a que cargo.

‘Cadeira de presidente’ “Nem na cadeira de presidente eu sento quando o Michel está fora. Não faço isso de jeito nenhum.”

Rodrigo Maia PRESIDENTE DA CÂMARA

“Quero ver quem vai ficar descolado do governo no ano que vem, quando o Brasil estará retomando o cresciment­o. Se descolar agora, não cola mais lá na frente.”

Beto Mansur VICE-LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA

“Não identifico qualquer ‘fogo amigo’, até porque jamais alguém faria um comentário contra o Rodrigo na minha presença.”

Antônio Imbasshy MINISTRO DA SECRETARIA DE GOVERNO

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Em alerta. Aliados de Temer querem evitar crise com Rodrigo Maia no momento em que a nova denúncia contra o presidente começa a tramitar na Casa

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