No futebol, 70% dos atletas estão sem clube
País tem 18 mil atletas profissionais e apenas 30% possuem local para trabalhar. No fim do ano, índice cai para 6%
Depois que saiu da Portuguesa e começou a ter dificuldades para encontrar outro clube, o meia Rai decidiu vender sua BMW. Redução de custos. Quando os calotes se tornaram mais frequentes – no Vilhena, de Rondônia, ele chegou a ser ameaçado de morte por cobrar cinco meses de atraso no salário –, o meia de 32 anos se tornou corretor de seguros. Hoje, espera uma proposta do futebol chinês, mas a bola é o seu plano B.
Para Bruno Henrique Silva Carvalho, o desemprego piorou o que era já difícil. No primeiro semestre, ele atuou pelo Suzano, time da quarta divisão paulista, mas não recebia salário. Os dirigentes diziam que estava numa vitrine. Depois de seis meses, foi dispensado porque o time não terá mais competições para disputar nesta temporada. Para ajudar a família a comer, ele vende doces caseiros, feitos pela própria mãe, pelas ruas de Suzano, na grande São Paulo.
Rai e Bruno Henrique mostram alguns dos efeitos do desemprego no Brasil, mais precisamente no futebol. De acordo com a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, o País possui hoje 18 mil atletas profissionais. Os índices de desemprego variam ao longo do ano por causa da mudança no número de torneios. Os clubes menores simplesmente fecham as portas no segundo semestre. “No mês de abril, temos 30% dos atletas trabalhando. No fim do ano, esse número cai para 6%”, informa o presidente Felipe Augusto Leite. “Grande parte dos atletas está à margem da sociedade. É um problema social bastante grave.”
Marco Antônio da Silva Oliveira, campeão da A3 do Paulista com o Nacional, não renovou contrato e não tem onde jogar até o fim da temporada. Está desempregado. “O calendário brasileiro está ruim para todos nós, que não temos nome no cenário do futebol nacional”, comenta.
Naturalmente, a questão não se esgota na venda de carros de luxo e outros bens e nos bicos para completar a renda. Existe um problema emocional quando um jogador fica sem clube. “O maior desafio é manter a motivação, treinar sozinho e não desistir”, diz o zagueiro Guilherme Bernardinelli, ex-Santos.
Depois de uma temporada na terceira divisão espanhola, o jogador de 25 anos deu de cara com a falta de oportunidades no retorno ao Brasil. Enquanto aguarda a abertura da próxima janela de transferências, ele contratou um personal trainer para manter a forma, mas já pensa em outra atividade. Diariamen- te, dá expediente na área administrativa da empresa do pai, uma fábrica de injeção plástica.
“Pensei até em procurar um médico. A gente vive o sonho, de ser famoso, ganha tapinha nas costas e almoço grátis por onde passa e, de uma hora para outra, tudo acaba. É preciso equilíbrio emocional”, diz Rai.
Em vários casos, o jogador esbarra na falta de qualificação profissional para buscar uma recolocação no mercado e ouve que não sabem fazer mais nada.
Hoje, Rai tem sua própria empresa de seguros, a DR Group, e grande parte dos seus clientes é formada por jogadores, seus colegas de profissão. Teve chance de comprar carro, mas prefere andar de metrô, ônibus e Uber. Mas precisa economizar, pois a empresa ainda precisa decolar.
Horas depois da entrevista ao Estado, Bruno Henrique manda uma mensagem via WhatsApp ao repórter. Ele avisa que vai atuar pela final da Liga de Mauá, o clássico entre São João e Gralha Azul, dia 15. No dia seguinte, ele mandou outra mensagem. “Quando você perguntou das minhas qualidades, queria completar. Tenho bom preparo físico, bom desarme, sei sair para jogo e chego bastante na área do rival”, escreveu.
Aos 21 anos, Bruno Henrique atua na várzea para completar a renda e ganha R$ 100 por jogo.
Bruno Henrique
JOGADOR DESEMPREGADO
“O dirigente dizia que o time era uma vitrine. Por isso, não tinha salário. Sou volante de pegada”