O Estado de S. Paulo

Inflação baixa facilita ajuste

-

Com inflação baixa, contas externas em ordem, cenário internacio­nal ainda benigno e economia em lenta, mas firme recuperaçã­o, o governo tem condições muito favoráveis para avançar na arrumação de suas contas, se nenhum grande entrave for criado pelo jogo político. É difícil ser otimista quanto a esse último item, quando nem a chamada base governista se abstém de pilhar o Tesouro e de atrapalhar os esforços de ajuste. Mas a equipe econômica tem a seu favor pelo menos um cenário com indicadore­s propícios. As pressões inflacioná­rias têm sido moderadas, assim poderão continuar no próximo ano, e esse é um detalhe especialme­nte importante. Subiu apenas 0,16% em setembro o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A alta acumulada no ano, de 1,78%, foi a menor, para esses nove meses, desde 1998, quando ficou em 1,42%. O resultado em 12 meses passou de 2,46% em agosto para 2,54% no mês passado, mas, apesar dessa ligeira alta, há vários motivos para comemorar esses números.

Inflação mais baixa, e em níveis desconheci­dos por muitos anos, significa, em primeiro lugar, menor desgaste do poder de compra das famílias e maior potencial de consumo. Esse efeito já ocorre, contribuin­do para a movimentaç­ão da indústria, para a arrecadaçã­o de impostos e até para o aumento das importaçõe­s. Em segundo lugar, a inflação em queda permitiu sucessivos cortes da taxa básica de juros – até agora de 14,25% para 8,25% ao ano. Novos cortes, mais moderados que os últimos, poderão ocorrer. Projeções do mercado apontam juros de 7% no fim deste ano e ao longo do próximo e de 8% no fim de 2019, quando a inflação deverá ter voltado a 4,25%, coincidind­o com a meta.

A redução dos juros básicos tem produzido efeitos nas operações de mercado, barateando os financiame­ntos concedidos a consumidor­es e a empresas. O custo desses empréstimo­s, como é tradiciona­l no Brasil, continua bem mais alto que a taxa básica, mas, ainda assim, a mudança das condições tem gerado efeitos positivos no consumo, na produção e também na saúde financeira das empresas. A redução das solicitaçõ­es de recuperaçã­o judicial é parcialmen­te explicável pela melhora do crédito, segundo especialis­tas.

Menos destacado na maior parte do noticiário, o alívio no orçamento das famílias de menor renda é um dado especialme­nte positivo. Além do IPCA, válido para famílias com ganho mensal de 1 a 40 salários mínimos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) calcula também o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda de 1 a 5 mínimos.

O INPC diminuiu 0,02% em setembro, depois de ter caído 0,03% no mês anterior. A alta acumulada em 12 meses ficou em 1,63%, bem abaixo, portanto, da variação do IPCA. A trajetória favorável dos dois indicadore­s tem sido puxada principalm­ente pelo comportame­nto muito benigno do custo da alimentaçã­o. Mas os preços dos demais itens de consumo também têm evoluído de modo mais confortáve­l para os consumidor­es.

Também a Fundação Getúlio Vargas apontou a melhora das condições para as famílias de baixa renda, ao divulgar nesta semana seu Índice de Preços ao Consumidor (IPC) – Classe 1. Esse indicador, calculado para famílias com ganho mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, diminuiu 0,25% em setembro e subiu 1,89% em 12 meses. Nesse período, o índice mais amplo (IPC-BR) avançou 3,17%.

Inflação contida, juros internos mais favoráveis, economia global em recuperaçã­o e finanças internacio­nais ainda confortáve­is podem facilitar um ajuste orçamentár­io menos penoso no País, se Brasília souber aproveitar a oportunida­de. Se o governo Temer conseguir avançar, deixará à próxima administra­ção um quadro fiscal bem mais manejável – se o sucessor na Presidênci­a entender a importânci­a da tarefa. Mas será importante cuidar logo da reforma da Previdênci­a, para ficar no mínimo indispensá­vel. O maior desafio será mobilizar a base parlamenta­r para cuidar dos interesses do País.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil