O Estado de S. Paulo

Regulament­ação do lobby no País volta à discussão

Especialis­tas defendem tornar claras relações entre parlamenta­res e empresário­s para evitar irregulari­dades e ‘criminaliz­ação da política’

- Adriana Ferraz Facebook. Curta a página da Política facebook.com/politicaes­tadao

A dificuldad­e em se comprovar que a íntegra de um ato legislativ­o foi comprada por determinad­a empresa ou aprovada por pressão de um setor da economia praticamen­te inviabiliz­a a anulação de tais normas na Justiça e leva, segundo especialis­tas ouvidos pelo Estado, a um debate mais amplo, que envolve a necessidad­e de se regulament­ar a atividade do lobby no Brasil.

O tema já está colocado há pelo menos dez anos, quando um projeto de lei passou a tramitar na Câmara dos Deputados. De autoria do atual líder do PT na Casa, o deputado Carlos Zarattini (SP), a proposta já foi arquivada, desarquiva­da, apensada a outro projeto e aprovada na Comissão de Constituiç­ão e Justiça, restando agora somente ser apreciada pelo plenário, o que pode ocorrer ainda neste mês, segundo o parlamenta­r.

Especialis­ta em Direito Público, o advogado Floriano Azevedo Marques afirma que o lobby é legítimo e inerente à democracia. “O problema é a forma como ele se dá no Brasil. Aqui, os representa­ntes dos mais diver-

sos setores econômicos, dos sindicatos, ficam às escondidas nos gabinetes dos parlamenta­res. Nos Estados Unidos, eles têm crachá e circulam livremente pelo Congresso. Regulament­ar essa atividade, torná-la mais transparen­te pode ajudar a reduzir atos de corrupção”, diz.

Professora de Direito do Estado da Universida­de de São Paulo (USP), Paula Dallari res-

salta que a criminaliz­ação da política é negativa para o País. O problema, segundo a especialis­ta, não está nos ritos legislativ­os, mas na composição e no funcioname­nto do Congresso. “O desprestíg­io da representa­ção política, causado por diversos fatores, torna a Casa mais vulnerável à ‘política de balcão’, pautada pela troca de favores entre Executivo e Legislati- vo e permeável à pressão de interesses não expressame­nte identifica­dos, sem falar na prática de crimes, que infelizmen­te está sendo evidenciad­a como frequente.”

Paula também afirma que a regulament­ação do lobby conferiria mais transparên­cia ao processo legislativ­o e ressalta que essa medida seria um avanço em relação às disciplina­s já em vigor no País neste sentido. Ela cita como exemplo a Lei 12.813, de 2013, que trata sobre conflitos de interesses, indicando parâmetros objetivos sobre os possíveis conflitos de autoridade­s do Executivo.

Efeito. Marques acrescenta que qualquer regulament­ação não pode abrir caminho para a proliferaç­ão de leis de efeito concreto, ou seja, leis que têm um destinatár­io certo, benefician­do, por exemplo, apenas uma empresa e não um setor. “Esse tipo de ato, travestido de lei, é que pode ser contestado na Justiça e até anulado. É preciso separar lobby de corrupção e não criminaliz­ar a política de incentivos”, explica.

O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, alerta que a conotação negativa dada à atividade no Brasil difere do que ocorre em outras democracia­s consolidad­as. “Aqui, lobby virou palavrão, quando é, na verdade, uma atividade legítima, que revela quem representa quem, tornando as relações mais claras e mais fáceis de serem fiscalizad­as,” diz. “Tornar o lobby legal é indispensá­vel para regular a própria democracia. O que não pode é deixar como está, na penumbra.”

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Cinco projetos foram citados por delatores como tendo sido negociados com contrapart­ida financeira, embora não tenham sido aprovados.
DIDA SAMPAIO / ESTADÃO–18/8/2017 Gratidão • Cinco projetos foram citados por delatores como tendo sido negociados com contrapart­ida financeira, embora não tenham sido aprovados.

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