O Estado de S. Paulo

Maior parte dos EUA vai contra pressão por lei mais dura sobre controle de armas

Tendência. Nos últimos 25 anos, 33 Estados adotaram legislação que favorece fabricante­s e 24 ampliaram desde 2004 as situações considerad­as como legítima defesa – apenas 3 regiões limitam compra de armamento; em Las Vegas, registro foi extinto em 2015

- Cláudia Trevisan

Andar ao ar livre com um copo de cerveja na mão é proibido em quase todo o território dos EUA, mas caminhar com um fuzil carregado é perfeitame­nte legal na maioria dos 50 Estados. Apesar da sucessão de ataques a tiros no país, muitos deles relaxaram as leis sobre armas, com expansão dos locais em que elas podem ser levadas, ampliação dos casos em que é permitido atirar em legítima defesa e proteção dos fabricante­s.

O poder de revólveres e fuzis também aumentou, o que ajuda a explicar o número cada vez maior de vítimas em atentados do tipo. O choque provocado em cada um dos massacres não foi suficiente para convencer o Congresso a adotar regras mais estritas sobre armas, nem mesmo quando 20 crianças foram assassinad­as na escola primária Sandy Hook, em 2012.

Sem ação em âmbito federal, muitos dos Estados governados pelo Partido Republican­o caminharam na direção oposta: ampliaram o espaço para as armas e aumentaram as proteções legais desfrutada­s por seus fabricante­s. Um levanta-

mento feito por Michael Siegel, da Escola de Saúde Pública da Universida­de de Boston, aponta que mais Estados diminuíram regulament­ações sobre o setor de armas nos últimos 25 anos do que aumentaram.

Em 33 deles, foram aprovadas leis que protegem fabricante­s de armas de quase todas as ações iniciadas por consumidor­es, provisão que ganhou caráter federal em 2005. A ampliação da legítima defesa foi aprovada em 24 deles a partir de 2004. O porte de armas sem registro passou a ser permitido

em 12 Estados e houve aumento dos locais em que elas são permitidas. Desde o ano passado, quatro Assembleia­s Legislativ­as aprovaram leis que autorizam armas em universida­des.

O movimento de liberaliza­ção ganhou força com vitórias dos republican­os a partir da eleição de 2010. Hoje o partido controla 32 governos estaduais. “As armas estão entre os bens de consumo menos regulados nos Estados Unidos”, ressaltou Siegel. “Nenhuma outra indústria tem o mesmo grau de imunidade legal.”

O Estado de Nevada, onde ocorreu o massacre de domingo, tem uma das legislaçõe­s mais liberais. Em 2015, a Assembleia Legislativ­a aprovou projeto que impede municípios de regular esse setor, o que levou ao fim do registro que a Las Vegas mantinha dos donos de revólveres. “Essa era uma das poucas restrições”, observou Ian Bartrum, professor de Direito Criminal da Universida­de de Nevada em Las Vegas. “Havia mais regulações sobre armas no Velho Oeste do que agora. Naquela época, as cidades tinham o poder de vetar a entrada de armas em seu território.”

Siegel ressaltou que outro grupo de Estados apertou o cerco ao setor, com forte aumento de regulament­ações, em especial na Califórnia, Massachuse­tts e Connecticu­t. A violência doméstica foi a única área em que legislatur­as dos dois partidos agiram para conter acesso a armas, observou.

No domingo, Stephen Paddock matou 58 pessoas e feriu outras 489 usando fuzis de estilo militar que foram proibidos durante dez anos, até 2004. Desde então, a venda do armamento disparou.

Naquele ano, a indústria produziu 1,3 milhão de fuzis, disse Siegel. Em 2015, foram 3,7 milhões. Segundo ele, as estatístic­as não distinguem entre os tipos de fuzis, mas dados empíricos indicam que fuzis semiautomá­ticos do tipo AR-15 são os que ganharam mercado – e passaram a ser os preferidos dos autores de massacres.

No período de 11 meses anteriores ao ataque de domingo, Paddock comprou 33 armas e milhares de cartuchos de munição, sem que isso acendesse qualquer tipo de alerta. Todas as transações foram legais. “Muitos entusiasta­s de armas possuem dezenas ou até centenas de armas. É muito comum aqui nos Estados Unidos”, disse ao Estado David Famigliett­i, dono da New Frontier Armory, onde Paddock comprou um fuzil e uma espingarda.

Em sua opinião, regras mais estritas sobre aquisição de armas não teriam evitado o massacre. “Ninguém, nem mesmo o FBI, pode ler a mente das pes- soas.” Mas o FBI poderia saber que Paddock comprou 33 armas em 11 meses se houvesse um registro nacional dessas operações, algo ao qual o lobby pró-arma se opõe.

Com exceção de três Estados, não há nenhum limite sobre o número de armas que uma pessoa pode comprar. E o teto na Califórnia, New Jersey e Maryland está longe de impedir a construção de um arsenal: uma nova arma pode ser comprada a cada 30 dias.

Os americanos possuem quase metade das armas em poder de civis em todo o mundo, apesar de representa­rem apenas 4,4% da população mundial. Em 2012, o Congress Research Institute estimou que havia 300 milhões de armas no país, quase uma para cada habitante.

O grau de violência a tiros separa os EUA de todos os outros demais países desenvolvi­dos, que registram proporções muito menores de revólveres e fuzis nas mãos de seus habitantes. De acordo com o instituto Gun Policy, da Universida­de de Sydney, os Estados Unidos registrara­m 10,54 mortes por tiros para cada grupo de 100 mil habitantes em 2014. No Canadá, a proporção foi de 2,5. Na Alemanha, de 1,01.

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
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NA WEB Galeria. As vítimas do atirador de Las Vegas estadao.com.br/e/vitimasveg­as

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