O Estado de S. Paulo

Crise na Espanha

Nacionalis­mo catalão inspira separatist­as europeus.

- Andrei Netto

A provável declaração de independên­cia da Catalunha, prevista para ocorrer na terça-feira, em Barcelona, será o mais importante, mas não o único movimento secessioni­sta na Espanha este ano. No dia 4 de dezembro, o grupo independen­tista Assembleia Nacional Andaluza (ANA) declarará, em Sevilha, a soberania da República Federal da Andaluzia.

Com um movimento liderado pelo poeta, dramaturgo e pintor Pedro Ignacio Altamirano, esse território de 13 milhões de habitantes se estenderia do Alentejo e do Algarve, em Portugal, até Múrcia e Granada, em solo espanhol.

“A Catalunha é uma nação que sempre soube socorrer dezenas de milhares de andaluzes, obrigados a imigrar pela pobreza endêmica na Andaluzia”, diz Altamirano, filho de dirigente franquista, fundador do partido independen­tista Somos Andaluzes e admirador dos grupos nacionalis­tas catalães. “Neste momento em que o povo da Catalunha se mobiliza por direitos tão básicos, como é o de votar e decidir seu futuro, nós, andaluzes, não queremos ficar à margem.”

O movimento na Andaluzia até pode ser folclórico, como é encarado na Espanha, mas o cer- to é que a iniciativa da Catalunha tem encorajado movimentos semelhante­s de rupturas em diferentes países da Europa, em regiões em que veleidades soberanist­as estão aflorando.

Para o ex-primeiro-ministro francês Manuel Valls, de origem catalã, o independen­tismo em sua terra natal é “uma loucura” capaz de “abrir a caixa de Pandora” do regionalis­mo dentro da União Europeia.

O exemplo mais visível desse fenômeno é o da Escócia, no Reino Unido. Motivado por seus resultados eleitorais e pelo Brexit, o divórcio entre Londres e a União Europeia, o Partido Nacional Escocês (SNP) relançou a campanha por um novo plebiscito sobre a independên­cia em relação a Londres.

Luta na Escócia.

Apenas três anos após a votação que deu a vitória à união com o Reino Unido, por 55% a 45%, a premiê escocesa, Nicola Sturgeon, vem lutando pela realização de nova consulta em 2018, tão logo as circunstân­cias do Brexit sejam conhecidas.

“Apesar de todos os desafios e das cenas horríveis que vimos na Catalunha, a maioria esmagadora daqueles que votaram apoiou a independên­cia”, frisou, nesta semana, a premiê escocesa, em manifestaç­ão de apoio à Catalunha independen­te. “A Espanha sustenta a opinião de que essa votação não era legal, mas esse tipo de força de sentimento não pode simplesmen­te ser ignorado.”

Outra região muito sensível à ebulição em curso na Catalunha é a de Flandres. Nascido no século 19, o nacionalis­mo nessa região da Bélgica, de língua holandesa, ganhou força nos anos 2000, quando paralisou o país, que passou mais de um ano com um primeiro-ministro demissioná­rio no posto por falta de acordo entre as duas metades do reino.

Em 2014, o nacionalis­mo levou a Nova Aliança Flamenga (N-VA) a tornar-se o maior partido da Bélgica, levando Charles Michel ao posto de premiê. Mas, longe de fazer planos para manter a união do reino belga, o N-VA tem planos de relançar a caminhada para a autonomia em 2019, empurrada também pelo cresciment­o do partido de extrema direita soberanist­a Vlaams Belang, que defende a independên­cia.

Menos poderosos, os movimentos separatist­as de Padania, no norte da Itália, e da Córsega, ilha da França no Mediterrân­eo, também acompanham os desdobrame­ntos da causa catalã. No caso italiano, até mesmo a origem da insatisfaç­ão é a mesma: a sensação de que parte das riquezas da região vem sendo transferid­a em forma de impostos e investimen­tos para outras regiões do país.

Esse é o argumento dos governador­es da Lombardia, Roberto Maroni, e do Vêneto, Luca Zaia, que pretendem realizar, no dia 22, um plebiscito consultivo para pressionar Roma por mais autonomia territoria­l e administra­tiva.

Filiados ao partido de extrema direita Liga Norte, Maroni e Zaia contam ainda com um bom desempenho nas próximas eleições gerais, previstas para ocorrer até fevereiro de 2018, para ganhar força na reivindica­ção.

Na Córsega, o movimento independen­tista Frente de Liberação Nacional da Córsega (FLNC) depôs as armas em 2014. Um ano depois, se tornou a maior força política na Assembleia Regional. Seguindo o exemplo da Catalunha, os novos líderes políticos regionais tentam ressuscita­r nas escolas a língua corsa, assim como legislaçõe­s fiscal, administra­tiva e de imigração exclusivas para o território.

País Basco.

Outro movimento, aparen tementes obcontrole,éo de independên­cia do País Basco, também na Espanha. Marcada pela violência armada do grupo terrorista ETA, a causa perdeu fôlego em 2011 coma deposição das armas.

No entanto, a coalizão independen­tista EH Bildu, de esquerda, é hoje a segunda maior força política do país, atrás do Partido Nacional Basco (PNV), também nacionalis­ta, mas moderado, que luta por mais autonomia, mas não por independên­cia. Hoje, pesquisas de opinião indicam que cerca de 20% da população estaria pronta para reivindica­r a soberania total do território. Na contramão do independen­tismo na Europa, há regiões que não demonstram mais o mesmo desejo nacionalis­ta do passado, como a Bretanha, na França, e a Baviera, na Alemanha.

Outra região em que as teses soberanist­as não vêm encontrand­o respaldo é a chamada “Catalunha do Norte”, trecho francês dos “Países Catalães”. Em Perpignan, cidade do sul da França que fez parte durante séculos da Catalunha, até ser transferid­a da coroa espanhola à francesa, em 1659, a associação de prefeitos da região até defende o direito à autodeterm­inação dos catalães da Espanha – mas não quer o mesmo destino para si.

“Não podemos ficar indiferent­es aos atos de coerção que parecem desproporc­ionais”, entende Guy Ilary, prefeito de Tautavel. “Nosso apoio ao referendo não consiste em nos posicionar­mos sobre o processo independen­tista, mas em apoiar a autodeterm­inação, um direito legítimo dos povos.”

“A maioria esmagadora daqueles que votaram apoiou a independên­cia da Catalunha”

Nicolas Sturgeon PRIMEIRA-MINISTRA DA ESCÓCIA

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ANDER GILLENEA/AFP-3/10/2017 Solidários. Manifestan­tes separatist­as marcham nas ruas da cidade de San Sebastián com bandeiras bascas e catalãs

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