O Estado de S. Paulo

Descontrol­e cambial piora crise venezuelan­a

Valor do dólar paralelo aumentou dez mil vezes desde a posse de Maduro e economista­s divergem sobre a melhor saída para crise

- Murillo Ferrari

A hiperdesva­lorização do bolívar – fruto da escassez de moeda forte, de alimentos e remédios e a impressão em massa de dinheiro sem lastro – torna cada vez mais difícil, na opinião de analistas, a estabiliza­ção da economia da Venezuela. Sem capital político para medidas impopulare­s, o presidente Nicolás Maduro tem prorrogado o controle de preço e de câmbio que agravam o problema.

Com isso, uma solução a médio e longo prazo é difícil de ser encontrada. Até mesmo economista­s críticos ao chavismo divergem da melhor ferramenta para contornar a inflação, que deve superar os 1.200% ao ano. A situação política de Maduro, que permanece no poder graças ao apoio do Exército e da elite chavista, tornam qualquer solução ainda mais complicada.

Para Steve Hanke, professor de economia na Universida­de Johns Hopkins, em Baltimore, a opção mais viável para salvar o país seria a dolarizaçã­o da economia. “A principal medida a ser tomada é a eliminação do Banco Central Venezuelan­o (BCV). Quando o governo gasta mais do que arrecada, ele recorre ao BCV e toma dinheiro emprestado, mesmo que para isso seja preciso imprimir sem lastro, ampliando a inflação” diz.

Desde que Maduro chegou à presidênci­a, o valor do dólar paralelo aumentou quase 10 mil vezes – passando de 26,62 bolívares por dólar, em 9 de março de 2013, dia seguinte à sua pos- se, para 26.749,28 bolívares por dólar, segundo sites que monitoram a evolução do câmbio negro na Venezuela. Apenas este ano, o dólar se valorizou 745% no câmbio paralelo.

“Muitas pessoas já guardam suas economias em dólar, usam a moeda americana para grandes transações e, em alguns casos, até mesmo nas pequenas operações do dia a dia”, disse Hanke. “Assim, de certa forma, o país só está não oficialmen­te dolarizado.”

A consultori­a Ecoanalíti­ca projeta que neste ano a economia venezuelan­a encolherá 10,4% e, para 2018, a retração esperada é de 10,2%. A consultori­a também estima que as importaçõe­s este ano serão 23% menores do que as de 2016. “Se Maduro seguir governando, não esperamos uma mudança significat­iva, o colapso econômico continuará”, diz o economista Jean Paul Leidenz, crítico ao chavismo, que vê com ressalvas a dolarizaçã­o. “A dolarizaçã­o tem apelo junto à população porque poderia frear de forma rápida a questão inflacioná­ria, mas não é nosso modelo preferido, pois consideram­os importante que o governo e o BCV tenham autonomia para realizar política monetária.”

Ele acha pouco provável que Maduro tome medidas efetivas de ajuste econômico porque muitos grupos dentro do poder se beneficiam de renda obtida a partir do descontrol­e do câmbio e pela variação dos preços.

Segundo o professor de relações internacio­nais da FGV, Oliver Stuenkel, em razão da perda de apoio popular desde que foi eleito, Maduro precisou recorrer a outros atores, encontrand­o no Exército base para se sustentar. “Nessa barganha com o Exército, Maduro se tornou dependente das Forças Armadas e não pode tomar decisões sem aprovação dos militares”, diz. “A parte civil do governo hoje é cada vez menos capaz de articular uma agenda política, o que também impossibil­ita a correção do rumo econômico.”

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