O Estado de S. Paulo

‘Causa independen­tista não é consenso’

Especialis­ta avalia que consequênc­ias de um governo autônomo na Catalunha seriam muito severas

- Andrei Netto

Para a cientista política espanhola Astrid Barrio, professora da Universida­de de Valência, o movimento em favor da independên­cia da Catalunha é organizado por uma minoria social que age como uma maioria, mas que, na realidade, não consegue transforma­r sua causa em um consenso na própria região, que é uma das mais ricas da Espanha. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida ao Estado.

• O que explica a onda independen­tista e por que não chegou à Valência e outras regiões da Espanha?

Na Espanha, a questão catalã é um problema secular. Nenhum outro território, exceto o País Basco, tem o nível de demanda de autogovern­o que existe na Catalunha desde o fim do século 19. Acontece que, por diferentes razões, como a mudança geracional, a crise política derivada da sentença do Tribunal Constituci­onal contra o Estatuto de Autono- mia de 2006, a crise econômica, uma parte do nacionalis­mo catalão autonomist­a tornou-se independen­tista.

• A sra. considera provável que Carles Puigdemont declare a independên­cia da Catalunha na terça-feira?

Parece difícil, porque as consequênc­ias para o governo autônomo podem ser muito severas e as chances de sucesso, remotas. Possivelme­nte, haverá um gesto simbólico de proclamaçã­o de soberania, mas não há capacidade operaciona­l para tornar efetiva a independên­cia, porque o governo catalão não tem capacidade de controlar o território.

• O governo de Mariano Rajoy foi muito criticado por sua rigidez legalista diante da crise, mas não caiu. Por que o PSOE (Partido Socialista) não retira o seu apoio ao governo?

Rajoy foi rígido na repressão ao conflito. No entanto, desde 6 de setembro, o governo catalão aprovou uma lei abertament­e inconstitu­cional que foi suspensa pelo Tribunal Constituci­onal, cujas ordens o governo da Catalunha optou por não respeitar. Por isso, Rajoy não poderia agir de outra forma na sua defesa do estado de direito. Havia mais instrument­os do que ele usou para deter o movimento independen­tista, como o controle judicial e econômico dos gastos, e ele fez uso das ferramenta­s moderadame­nte.

• O Artigo 155 da Constituiç­ão da Espanha e a potencial prisão de Puigdemont não acelerarão ainda mais o movimento independen­tista?

Sim, agora qualquer gesto pode causar mais atrito, mais mobilizaçõ­es nas ruas e, eventualme­nte, fazer crescer o apoio ao separatism­o, como aconteceu no dia 1.º de outubro, depois que a polícia interveio. É por isso que o governo espanhol começou a agir com muita cautela.

• O federalism­o não seria a melhor alternativ­a para que a Espanha superasse o impasse político?

Possivelme­nte. O que acontece é que o federalism­o tem uma má imagem na Espanha e os nacionalis­tas consideram que o federalism­o os dilui e não permite o reconhecim­ento ao qual eles aspiram. Mas, certamente, é a saída acordada que a maioria dos cidadãos aspira.

• A sra. acha que a Catalunha será independen­te?

Não no curto prazo, desde que as condições permaneçam inalterada­s. Mais tarde, é possível que a região se torne independen­te.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil