O Estado de S. Paulo

APÓS ATENTADO, RESTAURAÇíO NO MASP

Trabalho de juntar os mais de 200 fragmentos ficou a cargo de Maria Helena Chartuni, que todo ano volta a Aparecida

- / J.M.M.

Apintora, escultora e restaurado­ra Maria Helena Chartuni tinha dez anos de profissão, em junho de 1978, quando Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde ela trabalhava, lhe avisou que deveria restaurar, sozinha, a imagem de Nossa Senhora Aparecida, despedaçad­a um mês antes.

Na manhã de 28 de junho de 1978, quase entrou em pânico ao receber mais de 200 fragmentos numa caixa de fórmica, forrada de cetim.

O atentado ocorrera às 20h30 de 16 de maio de 1978, quando um rapaz de 19 anos, Rogério Marcos de Oliveira, supostamen­te doente mental, aproveitou a escuridão, em meio a um temporal, para quebrar o vidro do nicho do altar-mor da Basílica Matriz e roubar a imagem. Ao ser perseguido por seguranças, ela se estilhaçou no chão. O caso gerou enorme comoção.

Maria Helena iniciou seu trabalho em 29 de junho. Fechou-se numa sala, à qual só Bardi tinha acesso. À imprensa, foi dito que técnicos do Vaticano viriam a São Paulo recuperar a imagem. A informação correta só foi dada em 31 de julho.

Maria Helena considera ter feito um trabalho perfeito, apesar das dificuldad­es. Começou com a identifica­ção e separação dos fragmentos. Todos foram montados com fita adesiva transparen- te, antes da colagem definitiva. A restaurado­ra usou uma cola argentina à base de epóxi, que resiste a produtos químicos e temperatur­as de até 180°C, e recuperou a cor acanelada que a imagem tinha quando foi pescada.

Em seu livro A História de Dois Restauros – Meu Encontro com Nossa Senhora Aparecida, Maria Helena descreve a volta da imagem ao Santuário: “Ela foi conduzida a um caminhão do Corpo de Bombeiros e levada, triunfalme­nte, até Aparecida, pela Ro- dovia Presidente Dutra, ladeada por um corredor humano ininterrup­to, da Avenida Paulista, desde o Masp, até Aparecida, onde as pessoas a saudavam, rezando e se emocionand­o às lágrimas, na maior demonstraç­ão de fé espontânea que havia visto em minha vida. Naquele momento, a emoção tomou conta de mim e senti, pela primeira vez, que havia tocado em algo sagrado”. Após a restauraçã­o, padre Izidro de Oliveira Santos, que era reitor do Santuário e se considerav­a um artista, se meteu a retocar a imagem. Alertada por outros padres, Maria Helena correu a Aparecida. E teve de voltar outras vezes até conseguir remover a tinta de auto- móvel que ele havia usado. O reitor também substituiu o pino de prata que a restaurado­ra havia envolvido em gaze e ceras de abelha e carnaúba para juntar o corpo à cabeça. Maria Helena achou prudente não mexer em nada e aconselhou os padres a manusear a imagem o mínimo possível.

Doze anos após deixar o Masp, Maria Helena notou algo estranho ao voltar ao Santuário em 1993. A tentativa de fazer fôrma da imagem havia manchado a pátina. Foi quando propôs voltar uma vez por ano a Aparecida para manutenção. Ela faz essa viagem regularmen­te, sem nada cobrar.

A restaurado­ra atribui a Nossa Senhora uma intervençã­o em sua vida. Ao explicar o título A História de Dois Restauros, de 2016, escreveu: “... o primeiro, evidenteme­nte, foi a reconstruç­ão da imagem e o segundo foi o restauro de minha vida, que Nossa Senhora, paciente e amorosamen­te, fez comigo, libertando-me de um caminho tortuoso, por onde tinha enveredado”.

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Maria Helena. Viagens anuais ao Santuário

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