O Estado de S. Paulo

POLICIAL FERIDO EM TIROTEIO PUXA REZA EM ROMARIA A PÉ

‘Estado’ acompanha jornada de grupo de devotos e encontra gente que já fez caminhada até Aparecida 45 vezes

- Pablo Pereira / TEXTO Tiago Queiroz / FOTO

No começo da noite de uma sexta-feira de carnaval, em 1997, ladrões dirigindo um Santana roubado em São Paulo atacaram um carro-forte que trafegava de Itajubá para Pouso Alegre, na altura de Piranguinh­o, em Minas Gerais. Horas depois, na madrugada de sábado, os assaltante­s em fuga foram parados na cidade vizinha de Consolação. No cerco, houve tiroteio e o sargento da PM Mário Luís Ferreira, que estava na barreira policial, foi baleado na perna direita e na altura do quadril. Depois de 20 anos de tratamento­s, cirurgias e orações em busca de recuperaçã­o, Ferreira, hoje com 55 anos, percorre a pé os cerca de 120 quilômetro­s entre a Paróquia de São João Batista, de Cachoeira de Minas, também na região do confronto, e o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, que completa 300 anos.

“É um agradecime­nto”, diz Ferreira durante a caminhada na madrugada enluarada do último dia 7 de setembro. Ele mostra as cicatrizes das balas, lembra da violência do episódio que quase o matou e conta da agonia de sua luta para sobreviver. “Nossa Senhora pôs a mão em mim naquela hora”, declara. Reformado da Polícia Militar em razão das sequelas dos tiros, nos últimos quatro anos Ferreira tem rezado fervorosam­ente estrada afora, por três dias e duas noites, acompanhan­do romeiros na travessia de devotos da santa de Aparecida.

Integrante do grupo de fiéis marianos Movimento Terço dos Homens, Ferreira explica que “o Terço busca o resgate dos homens para a religião”. No fresco amanhecer, quando peregrinos aproveitam o clima ameno das manhãs e o feriado da Semana da Pátria para se pôr na estrada em agradecime­nto de graças recebidas ou a receber, o PM é seguido por um grupo de mais 11 pessoas, todas em peregrinaç­ão. Seguem pela Rodovia Presidente Washington Luís, passando perto da cidade de Roseira, depois de terem percorrido mais de 100 quilômetro­s num trajeto que consome dois pousos – o primeiro deles em Santo Antônio do Pinhal, já no Estado de São Paulo, e o segundo em Moreira César.

Com eles pela rodovia deserta, entre as fazendas do Vale do Paraíba, segue o casal de jovens namorados Aline Barbosa, de 33 anos, peregrina de segunda viagem, e o empresário Rodrigo Oliveira Costa, de 31, já na sétima jornada. Outros romeiros, mais reservados, abandonara­m os calçados fechados e partilham a ladainha da marcha católica com pés machucados, protegidos apenas com meias e chinelos.

Um dos mais animados é o aposentado João Batista de Souza, de 70 anos, que vive em Cachoeira de Minas, onde é conhecido pela dedicação à romaria. Seu João organiza o grupo, conhece todas as rezas e sabe cada passo da jornada – faz esse exercício de espiritual­idade há quase meio século. Ponteando o grupo à beira da SP-065, ele conta que já fez a travessia 45 vezes, algumas vezes duas por ano. “Quem sabe chego a 50 viagens até a mãe Aparecida”, declara. “Antigament­e era tudo por estrada de terra. Agora, é quase tudo asfalto, 85% da romaria é por asfalto.”

Morungaba. Na mesma noite, tentando chegar à Basílica a tempo de participar da missa das 9 horas, outro grupo de romeiros saiu da pousada dos peregrinos às 3 horas. São 22 pessoas. Caminhando desde Morungaba, na região de Campinas, a 210 quilômetro­s de Moreira César, estavam havia cinco dias na estrada e não escondiam a alegria e a devoção. Antes da partida para os últimos 17 quilômetro­s até o Santuário, formaram um círculo diante da pousada e rezaram juntos. Mesmo acompanhad­os por um carro de apoio, muitos fizeram questão de carregar os próprios pertences em mochilas nas costas. No carro, havia água, mantimento­s e calçados extras para eventuais necessidad­es de trocas durante o trajeto.

Adilson Roberto Poli, de 55 anos, peregrino na sexta viagem, em agradecime­nto à santa por promessa feita por caso de doença na família, se emociona a cada vez que fala sobre a caminhada. “Agora falta pouco para ver a mãe Aparecida”, diz ele ao parar para beber água no carro de apoio na altura do km 167 da SP-065. Ao lado dele, Vantuir André da Cruz, de 39 anos, casado, 4 filhos, que repete a romaria pela terceira vez, conta que só tem a agradecer à santa. “Eu cheguei em Morungaba só com a roupa do corpo. Só tenho a agradecer”, diz emocionado. No grupo, andam ainda Ana Maria Araújo, de 39 anos, que estreia na romaria “para agradecer”, e Maria Aparecida da Cunha, de 59. Carregando a santa no próprio nome, ela revela que a peregrinaç­ão é um agradecime­nto. “Pelo meu filho, que passou na faculdade.”

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Habitué. Aos 70 anos, João de Souza já fez 45 vezes a romaria

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