O Estado de S. Paulo

O COB é Nuzman

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Adetenção de Carlos Arthur Nuzman, no meio da semana, foi furacão a desabar sobre o esporte nacional. Na onda de repercussõ­es a respeito do destino do cartola, um fato chamou a atenção, destacado em sagaz manchete aqui no Estado. Em nota oficial, a Comissão de Atletas, espécie de ponte entre a rapaziada que compete e o Comitê Olímpico Brasileiro, avisa que apoia as investigaç­ões, mas pede para que se separe a imagem da instituiçã­o da do presidente.

Os moços que assinaram o documento talvez tenham sido tomados por tremenda distração, pois só assim se pode entender sugestão descabida. A verdade ofuscante, para quem é do meio e para leigos, mostra que o COB é Nuzman, e vice-versa. E faz tempo.

Não há como dissociar entidade do personagem que a dirige há 22 anos. Mais de duas décadas de poder, com direito a mandar e desmandar como bem entender, com reeleições seguidas – por aclamação. Sem contestaçã­o. Não podem se sair com essa observação asséptica. Ou são ingênuos, e ainda não perceberam o terreno onde pisam, ou pensam que os outros o sejam.

Tampouco se pode imaginar que Nuzman tenha conquistad­o seguidamen­te o cargo do nada, por obra divina, por inspiração do Espírito Santo. Está (esteve?) à frente do COB por contar com respaldo do colégio eleitoral formado pelas confederaç­ões. Ou seja, quem lhe dá sustentaçã­o política, quem lhe concedeu aval para ocupar posto tão relevante, tem muita responsabi­lidade no que acontece agora.

Não venham com declaraçõe­s de torpor, surpresa, indignação. Estas soarão como oportunist­as e falso moralismo, ou tentativa de pular de um barco que abrange grande tripulação; terão a validade de nota de 3 reais. Quem referendou Nuzman no alto do pódio da cartolagem tem de se explicar – em alguns casos, para os investigad­ores.

A Comissão de Atletas, ainda na carta aberta, preocupa-se com o risco de ser manchada a memória do desempenho dos esportista­s brasileiro­s nos Jogos da Rio-2016. E conclama a que se realce o legado para as crianças, como prova de que o esporte “sempre será um dos melhores caminhos para desenvolvi­mento humano.” Sim, não para enriquecim­ento de quem o dirige...

Onde está a herança entrevista pelos signatário­s? Nas arenas abandonada­s, em deterioraç­ão, pouco mais de um ano após a festa? Nas contas que não fecham? Nas modalidade­s que perderam patrocínio assim que passou a obsessão por busca de medalhas? Na precarieda­de das atividades no dia a dia?

Quantas quadras foram construída­s nos anos que precederam a Olimpíada, para fomentar o esporte no Brasil? E piscinas? E pistas de atletismo? Ou, simplesmen­te, material para tênis de mesa? Onde estão centros de preparação e excelência espalhados pelo País para servirem de viveiros de talentos? Cadê febre de competiçõe­s em esco- las, faculdades, universida­des? Onde o estímulo para os clubes investirem em atividades poliesport­ivas?

O legado virou delegado... de polícia, que vasculha acordos pouco transparen­tes, desvios de verbas, patrimônio­s pessoais tremendame­nte inflados. E não só de Nuzman. Há colaborado­res na mira (caso de Leonardo Gryner) e o leque tende a abrir-se, com possibilid­ade de atingir políticos e outros dirigentes.

O momento é de atletas botarem a boca no trombone, como há muito faz Joanna Maranhão, voz isolada e desdenhada. Oportunida­de para pressionar­em mudanças em federações e confederaç­ões fossilizad­as e fechadas com Nuzman, para exigirem clareza nos patrocínio­s. A vez de lutarem por condições dignas.

Daí, sim, terá sido útil esse vendaval. Caso contrário, não adianta Nuzman ser preso e virar carta fora do baralho. Será só um a menos... mas o baralho viciado continuará.

Não dá para separar entidade e o cartola detido, como pede nota da Comissão de Atletas

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