O Estado de S. Paulo

Um Brasil desigual

Abismo de classes medido pelo acesso à internet

- Bruno Capelas

Queixa “Sem internet o Brasil vai perder o trem do futuro. As empresas querem investir, mas precisam de condições.” Eduardo Navarro PRESIDENTE DA VIVO

Quem usa a internet nas grandes cidades não imagina, mas existem dois Brasis diferentes no que diz respeito à rede. Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2016, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 54% das casas têm acesso regular à web. Há, no entanto, um abismo socioeconô­mico entre os níveis de conexão: enquanto as classes Ae B têm uma situação digna de nações desenvolvi­das como Islândia e Reino Unido, a população das classes De E está mais perto da realidade digital de países como Bolívia, Egito e Quênia.

Mais do que apenas a quantidade de gente online, há diferenças na qualidade, velocidade e na oferta do serviço que podem ser cruciais para o desenvolvi­mento do País no futuro.

Para “unificar” esses dois países, por meio da expansão das redes de banda larga fixa e móvel, será preciso muito esforço – e dinheiro. Segundo estudo recente da consultori­a Boston Consulting Group (BCG), é necessário aplicar R$ 200 bilhões nos próximos dez anos para conectar 90% da população brasileira. O valor é 38% maior que o investido pelas operadoras nos últimos anos – seria preciso investir mais R$ 5 bilhões ao ano.

Entraves.

Dispor desse valor, no entanto, soa impensável para as operadoras em um momento de crise econômica e redução nas receitas de voz e mensagens de texto (SMS). “Hoje, o problema é muita regulação e imposto”, diz Ricardo Distler, diretor executivo da consulto- ria Accenture.

Durante a última semana, na Futurecom, maior evento do setor na América Latina, a reclamação foi repetida pelas teles. “Não é preciso nenhum MBA para conseguir entender nossa conta”, brincou José Felix, presidente da Claro Brasil, durante um debate. Há quem discorde. “As empresas não estão quebradas, salvo exceções”, diz Rafael Zanatta, analista de telecomuni­cações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “As operadoras fazem terrorismo econômico para pressionar o governo.”

Dos R$ 191 bilhões gerados pelas operadoras em 2016, segundo o BCG, 40% foi revertido para o governo em carga tributária, 15% virou investimen­to e só 3% retornou aos acionistas. “Sem internet, o Brasil vai perder o trem do futuro”, diz Eduardo Navarro, presidente da Vivo. “As empresas querem investir, mas precisam de condições.”

Saídas.

Hoje, três saídas são discutidas pelo setor. A principal é a aprovação do projeto de lei complement­ar 79/2016, que reforma a Lei Geral de Telecomuni­cações, de 1997. Ele permite que as teles fixas migrem de concessões para autorizaçõ­es, sem obrigação de universali­zar os serviços. Nesta semana, o projeto retornou ao Senado, após meses parado no Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativ­a é de que o texto seja sancionado pelo presidente Michel Temer até o fim do ano.

Outro caminho possível é a aprovação de Termos de Ajustament­o de Conduta (TAC), que trocam multas impostas pela Agência Nacional de Telecomuni­cações (Anatel) por investimen­tos em banda larga. Há duas semanas, o TCU deu parecer favorável a um TAC entre a Vivo e a Anatel, trocando multas por aportes que podem chegar a R$ 4,8 bilhões. Uma terceira saída, possível apenas em longo prazo, é a liberação de fundos setoriais para cumprirem, enfim, seu destino.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO Divisão. Classes A e B no Brasil têm conexão digna de Islândia e Reino Unido, mas classes D e E estão próximas ao Quênia

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