O Estado de S. Paulo

Sra. Mostra

Renata de Almeida em uma conversa franca sobre o que esperar do evento neste ano

- Luiz Carlos Merten

Renata de Almeida conta num almoço com a reportagem do

Estado como começou a nascer a seleção da 41.ª Mostra, que este ano ocorre de 19/10 a 1.º de novembro. “Desde o início do ano já vinha pensando numa programaçã­o que desse conta do estado do mundo, por meio da questão ambiental. Isso tem a ver com filmes como Uma Ver

dade Mais Inconvenie­nte. Dez anos depois de haver alertado contra o aqueciment­o global, Al Gore volta ao tema para mostrar não apenas as consequênc­ias práticas da crise climática, mas também os avanços na obtenção de energia através de fontes limpas. Isso foi um estopim. A Mostra sempre teve o compromiss­o de retratar a realidade. Pode-se contar uma história desses mais de 40 anos só pelos seus filmes. Não digo que vamos ter este ano uma seleção mais ecológica, mas de alguma forma o tema norteou a seleção.”

E Renata antecipa a 42.ª Mostra – “Da mesma forma acho que pode ser um farol para o ano que vem. Fazermos uma revisão da forma como o cinema antecipou o futuro. Filmes como Me

trópolis, de Fritz Lang, o próprio 2001 de ( Stanley) Kubrick. Quem sabe? Seria uma forma de dar prolongame­nto a questões da maior relevância, e a Mostra é isso.” Renata de Almeida, a Sra. Mostra. Ela começou a trabalhar com Leon Cakoff na 13.ª Mostra. Com a morte dele, em 2011, assumiu o que já vinha compartilh­ando. Ela admite, agora, no retrospect­o, que a Mostra de 2012 foi decisiva. “É claro que não trabalho sozinha. Tenho gente para me assessorar, e a equipe da Mostra sempre foi valorosa. Mas alguém tem de dar a última palavra, e agora sou eu. A 36.ª Mostra foi importante, para mim, por isso. Dei aquela relaxada. Havia conseguido.”

Ela faz essas confissões às vésperas de mais uma Mostra. Havia jurado que ia fazer uma Mostra menor, mas como? “Quando ficou decidido o prêmio especial para Agnès Varda e comecei a falar com ela, a própria Agnès contou que sua obra está toda restaurada. Como não tentar trazer seus filmes para uma celebração? Só isso já aumentou a seleção em 12 títulos. Mas é importante. No total, vamos ter 350 títulos.” Sua assessora de imprensa, Margarida Oliveira, corrige – “Entre curtas e longas, vamos chegar a 390.” Tudo isso, admira-se Renata.

O gigantismo sempre fez parte do perfil da Mostra. É duro de administra­r, mas o público nunca espera menos que isso. E a Mostra de 2017 amplia seus espaços. “Estamos integrando o IMS, Instituto Moreira Salles, ao circuito exibidor. No centro, além da Sala Olido, no circuito Spcine, vamos ter também o Playarte Marabá. É uma sala popular, e estou muito feliz porque vamos ter uma troca muito interessan­te para a Mostra.”

Renata, Margarida, essas mu- lheres não estão para brincadeir­as. Margarida cita que 98 filmes são obras de mulheres. Renata reflete – “A Mostra sempre teve essa abertura para as diretoras. Nunca foi preciso alardear isso. Ocorre que a gente está nessa fase de empoderame­nto, então é preciso trombetear.”

A verdade é que a Mostra, surgida durante a ditadura, fez história na luta contra a censura no País. Ajudou a redesenhar o sistema de distribuiç­ão, provando que havia público, mesmo que nichos, para filmes de exceção. Esses nichos foram crescendo, a representa­tividade também. Além das mulheres, negros, gays. Todas as tribos vão se encontrar na tela da 41.ª Mostra. Dentro desse desejo de refletir o mundo, o filme de abertura será Human Flow – Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir, de Ai Weiwei. A questão dos refugiados. O chinês criou o cartaz. “Acho lindo, essas mãos. Só de mãos dadas a gente vai fazer desse mundo um lugar melhor.”

E as amizades ao longo desses anos todos, Renata? “Têm sido um privilégio. Manoel de Oliveira, Abbas Kiarostami. Este ano vamos ter um filme póstumo do Abbas, 24 Quadros, que é feito sobre fotos, os frames, então é um filme que coloca a questão da linguagem. Cinema é isso. Tem a questão política, ética, estética. Os grandes englobam tudo. Abbas sempre teve uma relação muito boa com a Mostra, com o Leon, comigo. Quando o Leon morreu, essa relação estreitou ainda mais. Ele foi muito afetivo, carinhoso com a gente. Essas amizades não têm preço. Manoel de Oliveira estava em casa aqui com a gente. O Amos ( Gitai) é a mesma coisa. Você sente o carinho dele pela Mos- tra, pelo público de São Paulo. Porque a Mostra quem faz é o público, lotando salas.”

OK, você que já chegou até aqui quer saber as atrações. Nesse ponto, Renata é bem a parceira de Leon Cakoff. Dele você não tirava nenhuma indicação. Todo filme da Mostra é bom, dizia. The Square, Renata. Você está trazendo o vencedor da Palma de Ouro. “( O diretor) Ruben Östlund é considerad­o o enfant terrible do cinema sueco. E o filme tem tudo a ver com o que dissemos sobre o mundo. Um gerente de museu quer se assegurar do sucesso de uma nova instalação. Entre as tentativas para isso, ele contrata uma empresa de relações públicas para fazer barulho em torno do assunto na mídia. Isso termina criando muitos problemas. Quer coisa que tenha mais a ver com o mundo em 2017?”

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Força. Renata de Almeida, diretora da Mostra, e, ao lado, Agnès Varda, que receberá homenagem

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