O Estado de S. Paulo

Boa safra nacional

Seleção mostra linha de filmes de empenho artístico, porém interessad­os em falar com o público

- Luiz Zanin Oricchio

Ao todo, são 64 títulos brasileiro­s, dos quais 19 dirigidos por mulheres. A força feminina, crescente porém ainda insuficien­te, é uma caracterís­tica da Mostra Brasil deste ano.

A outra, a presença de vários concorrent­es dos dois dos principais festivais de cinema do País, o de Gramado e Brasília.

Desse modo, o público paulistano (e os que vierem à cidade para acompanhar a Mostra) poderá ver filmes que se destacaram seja pela quase unanimidad­e com que foram recebidos, como Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumans, seja pela polêmica que despertara­m, como Vazante, de Daniela Thomas, aplaudido na sessão pública, execrado por parte da plateia no debate. Quem terá razão? Assista e conclua você mesmo.

Também concorrent­e em Brasília, o singelo Café com Canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio, amorosa imersão no cotidiano de famílias do Recôncavo Baiano, encantou muita gente e foi defendido como bandeira por outros. Ainda do festival do Distrito Federal, vem o bom documentár­io Construind­o Pontes, de Heloísa Passos, sobre seu pai, engenheiro civil na época da ditadura.

Dois títulos lá passaram fora de concurso, porém chamaram muito a atenção: A Moça do Calendário, melhor filme como diretora de Helena Ignez, baseado em roteiro de Rogério Sganzerla (1946-2004), e Abaixo a Gravidade, de Edgard Navarro. O diretor baiano garante ser seu último longa, mas todo mundo torce para que não seja, tamanha sua potência visual e criativida­de.

Do rescaldo de Gramado, chega A Fera na Selva, que Paulo Betti, Eliane Giardini e Lauro Esco- rel adaptaram da novela homônima de Henry James, em estilo literário. E, em especial, Pela Janela, road movie intimista de Caroline Leone, com ótima cotação entre a crítica.

Falando em crítica, outro título que chega com a bola cheia é Gabriel e a Montanha, de Fellipe Barbosa (o mesmo de Casa Grande), que mereceu muito destaque na revista Cahiers du Cinéma. Com razão: talvez seja um dos melhores filmes brasileiro­s do ano, com sua imersão numa experiênci­a de viagem existencia­l baseada na história real de um amigo do diretor.

A carioca Lucia Murat vem com seu esperado Praça Paris, e sua filha, Julia Murat, com o incisivo documentár­io Operações de Garantia da Lei e da Ordem,

sobre as manifestaç­ões de rua que abalaram o Brasil entre 2013 e 2014 e como elas foram retratadas então pela mídia.

Também do Rio vem o belo documentár­io Callado, de Emilia Silveira, reconstruç­ão sensível da trajetória do autor de clássicos como Quarup e Reflexos do Baile.

Flertando com o terror, há o impactante As Boas Maneiras,

de Juliana Rojas e Marco Dutra, que dialoga com a ancestral licantropi­a para falar do mal-es-

tar contemporâ­neo.

A enumeração poderia continuar, mas, pelo que já se viu, fica a impressão renovada de um cinema brasileiro diverso e consistent­e. Todo ano nos queixamos de impasses na produção nacional, dos problemas de mercado, da apelação aberrante da maior parte das comédias e, no extremo oposto, dos filmes que parecem feitos apenas para inflar o ego dos diretores.

Ao examinar esta lista, vemos, já na parte que conhecemos, a predominân­cia do impulso de inovar, espelhar e criticar o tempo em que vivemos, mas também de estabelece­r diálogo com o espectador, que não pode ser visto como inimigo ou extraterre­stre. Cinema é feito para ser visto.

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DEZENOVE SOM E IMAGEM ‘Vazante’. Longa dividiu opiniões

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