O Estado de S. Paulo

Conflito de interesses no mercado imobiliári­o

- DANIEL BUSHATSKY MESTRE E DOUTOR EM DIREITO COMERCIAL PELA PUC/SP, PROFESSOR DE DIREITO EMPRESARIA­L E DE PROCESSO CIVIL E-MAIL: DANIEL@ADVOCACIAB­USHATSKY.COM.BR

A transparên­cia nos atos dos administra­dores, sócios e a sociedade empresaria­l é cada vez mais cobrada no mundo dos negócios, por meio da legislação (lei anticorrup­ção), da aplicação dos princípios jurídicos (boa-fé objetiva) e dos códigos de ética, sem contar a expressão da moda: governança corporativ­a – que, segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativ­a, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativ­a (IBGC), é “o sistema pelo qual as organizaçõ­es são dirigidas, monitorada­s e incentivad­as, envolvendo o relacionam­ento entre proprietár­ios, conselho de administra­ção, diretoria e órgãos de controle”.

Observa-se que as sociedades empresaria­is, independen­temente do seu tamanho ou de sua natureza jurídica, querem implementa­r regras de gestão que tragam tranquilid­ade a todas as partes envolvidas, sem que haja suspeita de que seus objetivos sociais não estejam ou não serão cumpridos. Dentre os inúmeros pontos que devem ser lembrados, um chama especial atenção: o conflito de interesse.

A regra prescrita na lei do anonimato é clara, conforme o artigo 156, “é vedado ao administra­dor intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitant­e com o da companhia, bem como na deliberaçã­o que a respeito tomarem os demais administra­dores, cumprindo- lhe cientificá-los do seu impediment­o e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administra­ção ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse”.

Especifica­mente quanto ao conflito de interesses, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativ­a”, do IBGC, estabelece no item 6.2, que este se verifica “quando alguém não é independen­te em relação à matéria em discussão e pode influencia­r ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da organizaçã­o. Essa pessoa deve manifestar, tempestiva­mente, seu conflito de interesses ou interesse particular. Caso não o faça, outra pessoa poderá manifestar o conflito.”

Destaca-se o conceito de Carvalho de Mendonça, indicado na obra de Modesto Carvalhosa, no sentido de que “interesse oposto ao da companhia dá-se quando o administra­dor é parte em negócio que a sociedade está para concluir com ele ou com outros juntamente com ele; em negócio no qual tenha vantagem ou interesse”. E ainda prossegue: “o interesse legítimo, porém contrastan­te, é a razão formal e objetiva para o impediment­o prescrito na lei de o administra­dor celebrar com a companhia negócio jurídico de caráter patrimonia­l”.

A extensão do impediment­o legal implica na circunstân­cia de que o administra­dor, “além de não participar da deliberaçã­o, não poderá, outrossim, opinar, sugerir ou sob qualquer forma influencia­r a deliberaçã­o dos órgãos administra­tivos da companhia”, sob pena de responder pelos prejuízos que causar, nos termos do artigo 158, da Lei 6404/76. Assim, verificada a existência do conflito de interesses formal ou substancia­l, cabe ao administra­dor informar imediatame­nte ao órgão de administra­ção tal circunstân­cia, sob pena de o voto não privilegia­r o interesse da sociedade empresária.

E caso não o faça? E se da decisão não houver qualquer prejuízo financeiro para a empresa?

Mesmo que, muitas vezes, seja difícil a prova de prejuízo financeiro para a sociedade empresária (por exemplo: a sociedade incorporad­ora adquirindo terreno em localizaçã­o privilegia­da pertencent­e ao irmão do administra­dor), é possível se entender que a singela circunstân­cia de exercício em conflito caracteriz­a o abuso de direito, passível de punição, seja pela imposição de uma pena pecuniária (indenizaçã­o por danos morais ou perda do bônus?), seja pela destituiçã­o do administra­dor.

Esta hipótese supõe que o administra­dor desrespeit­ou seu dever de cuidado e fidúcia em relação à sociedade empresária, votando com conflito de interesse, podendo com seu voto, com a própria discussão, talvez com suas sugestões, prévias à deliberaçã­o, ter influencia­do o voto.

Identifica­do o conflito não revelado, o administra­dor deve ser punido pela falta de lealdade com a sociedade empresária, ferindo a confiança entre todos envolvidos, e, principalm­ente a consecução do objeto social. O conflito de interesse permeia todos os setores da economia, inclusive o mercado imobiliári­o e deve ser combatido para que seja possível alcançar negociaçõe­s com informaçõe­s claras e vantajosas para as sociedades empresaria­s e não para os seus administra­dores.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil