Conflito de interesses no mercado imobiliário
A transparência nos atos dos administradores, sócios e a sociedade empresarial é cada vez mais cobrada no mundo dos negócios, por meio da legislação (lei anticorrupção), da aplicação dos princípios jurídicos (boa-fé objetiva) e dos códigos de ética, sem contar a expressão da moda: governança corporativa – que, segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), é “o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo o relacionamento entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle”.
Observa-se que as sociedades empresariais, independentemente do seu tamanho ou de sua natureza jurídica, querem implementar regras de gestão que tragam tranquilidade a todas as partes envolvidas, sem que haja suspeita de que seus objetivos sociais não estejam ou não serão cumpridos. Dentre os inúmeros pontos que devem ser lembrados, um chama especial atenção: o conflito de interesse.
A regra prescrita na lei do anonimato é clara, conforme o artigo 156, “é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo- lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse”.
Especificamente quanto ao conflito de interesses, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa”, do IBGC, estabelece no item 6.2, que este se verifica “quando alguém não é independente em relação à matéria em discussão e pode influenciar ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da organização. Essa pessoa deve manifestar, tempestivamente, seu conflito de interesses ou interesse particular. Caso não o faça, outra pessoa poderá manifestar o conflito.”
Destaca-se o conceito de Carvalho de Mendonça, indicado na obra de Modesto Carvalhosa, no sentido de que “interesse oposto ao da companhia dá-se quando o administrador é parte em negócio que a sociedade está para concluir com ele ou com outros juntamente com ele; em negócio no qual tenha vantagem ou interesse”. E ainda prossegue: “o interesse legítimo, porém contrastante, é a razão formal e objetiva para o impedimento prescrito na lei de o administrador celebrar com a companhia negócio jurídico de caráter patrimonial”.
A extensão do impedimento legal implica na circunstância de que o administrador, “além de não participar da deliberação, não poderá, outrossim, opinar, sugerir ou sob qualquer forma influenciar a deliberação dos órgãos administrativos da companhia”, sob pena de responder pelos prejuízos que causar, nos termos do artigo 158, da Lei 6404/76. Assim, verificada a existência do conflito de interesses formal ou substancial, cabe ao administrador informar imediatamente ao órgão de administração tal circunstância, sob pena de o voto não privilegiar o interesse da sociedade empresária.
E caso não o faça? E se da decisão não houver qualquer prejuízo financeiro para a empresa?
Mesmo que, muitas vezes, seja difícil a prova de prejuízo financeiro para a sociedade empresária (por exemplo: a sociedade incorporadora adquirindo terreno em localização privilegiada pertencente ao irmão do administrador), é possível se entender que a singela circunstância de exercício em conflito caracteriza o abuso de direito, passível de punição, seja pela imposição de uma pena pecuniária (indenização por danos morais ou perda do bônus?), seja pela destituição do administrador.
Esta hipótese supõe que o administrador desrespeitou seu dever de cuidado e fidúcia em relação à sociedade empresária, votando com conflito de interesse, podendo com seu voto, com a própria discussão, talvez com suas sugestões, prévias à deliberação, ter influenciado o voto.
Identificado o conflito não revelado, o administrador deve ser punido pela falta de lealdade com a sociedade empresária, ferindo a confiança entre todos envolvidos, e, principalmente a consecução do objeto social. O conflito de interesse permeia todos os setores da economia, inclusive o mercado imobiliário e deve ser combatido para que seja possível alcançar negociações com informações claras e vantajosas para as sociedades empresarias e não para os seus administradores.