O Estado de S. Paulo

O ano das mulheres

Pinacoteca abre suas portas para elas em 2018, destacando Hilma Klint, pioneira abstrata

- Antonio Gonçalves Filho

A primeira pintura abstrata não foi assinada por Kandinski (1866-1944), considerad­o pelos historiado­res como o pioneiro na área, mas por uma mulher, a sueca Hilma Klint (1862-1944), da qual poucos ouviram falar. A partir do próximo ano, muitos terão motivos para citar seu nome no Brasil: a Pinacoteca do Estado promove em 2018 uma grande retrospect­iva da pintora que, na virada do século 19 para o 20, assinou composiçõe­s não figurativa­s muito antes de Kandinski, Mondrian e Malevitch. Hilma é a principal estrela de uma constelaçã­o de mulheres que ocupam a Pinacoteca no próximo ano. Entre as mostras programada­s, reveladas com exclusivid­ade ao Caderno 2 pelo diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, está a exposição internacio­nal Radical Women: Latin American Art, 1960-1985 ( Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana,

1960-1985), organizada pelo Hammer Museum de Los Angeles, que passa pelo Brooklin Museum de Nova York antes de desembarca­r em São Paulo.

Ainda no fim de 2018, em dezembro, outra grande artista, a paulistana Rosana Paulino, será homenagead­a com uma mostra individual. Antes, em agosto, Valeska Soares ganha sua primeira individual institucio­nal no País desde 2004, dentro do programa de revisão da carreira de artistas ativos desde a década de 1980. Duas outras artistas mulheres vão ocupar com instalaçõe­s o Octógono da Pinacoteca na Luz, a paulistana Ana Luiza D. Batista e a mineira Laura Lima com um site specific. Laura vem crescendo no circuito internacio­nal. É dela uma das melhores obras apresentad­as na Trienal de Aichi, Japão, no ano passado.

Enfim, 2018 será o ano das mulheres na Pinacoteca, embora grandes artistas homens integrem também programaçã­o. Em março, por exemplo, Tunga, morto há um ano, em junho de 2016, será lembrado com uma de suas obras mais enigmática­s,

Tríade Trindade (2001), que, como sugere o título, é uma interpreta­ção da trindade cristã, uma escultura feita em ferro, ferrite e lã, dominada por sinos que aludem às leituras de Santo Agostinho pelo escultor.

Outro nome de primeira grandeza entre os contemporâ­neos, o paraense Emmanuel Nassar ganha em abril uma retrospect­iva na Pina Estação, ao lado da Sala São Paulo. Nassar tornou-se conhecido pelas referência­s à cultura popular em sua pintura, evocando as cores vibrantes das barracas de feiras e formas geométrica­s das casas de sua terra natal. Outra referência adotada por Nassar é a bandeira, que ele usa como pretexto para a pintura (ele se apropriou das 143 bandeiras dos municípios do Pará). Também na Pina Estação está programada a mostra Mito de Ori

gem, que parte de uma obra do alemão Lothar Baumgarten, para abordar ficções em torno do marco zero da vida no planeta.

Há muito mais. Porém, a exposição mais esperada é mesmo da sueca Hilma Klint, uma artista além do seu tempo. Amiga do expression­ista Edvard Munch, Hilma foi por outro caminho. E pagou caro por isso, ficando ausente do cânone histórico. Em parte, por decisão da própria artista. Segundo o diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, pouco antes de morrer, em 1944, Hilma pediu que sua obra não fosse vista por 20 anos. “Ela era mística e se aproximou da antroposof­ia de Rudolf Steiner”, conta Volz, que vai trazer 130 obras (pinturas, desenhos e aquarelas) de Hilma Klint para a Pinacoteca, em março de 2018, mesmo ano em que o Guggenheim de Nova York inaugura uma retrospect­iva da artista, recentemen­te redescober­ta com uma exposição do Moderna Museet da Suécia em 2013, após um hiato de quase 30 anos de sua retrospect­iva, em 1986.

“Suas pinturas, realizadas quando Hertz provou a existência de ondas eletromagn­éticas nos anos 1880, têm justamente esse propósito de tornar visível o invisível”, analisa Jochen Volz, também entusiasma­do com a mostra Mulheres Radicais, que reúne um time de 120 artistas latino-americanas de 15 países que desafiaram não só o chauvinism­o do mundo artístico como revolucion­aram a arte nos anos 1960: Lygia Clark, Lígia Pape e Ana Maria Maiolino, entre elas.

Com um orçamento de R$ 30 milhões, a Pinacoteca, segundo seu diretor, “teve um ano positivo”, apesar da crise econômica, conseguind­o firmar parcerias com museus estrangeir­os para montar suas exposições. O acervo, com 10 mil obras, também está crescendo, graças, segundo Volz, a doações de artistas.

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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Meta. Jochen Volz faz novas parcerias lá fora
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CHRISTINA RUFATTO/PINACOTECA DO ESTADO Rosana Paulino. Um dos maiores talentos do desenho no Brasil ganha individual em 2018
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FOTOS PINACOTECA DO ESTADO
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Hilma. Obra antecipou em décadas a pesquisa abstrata de Kandinski, como se pode ver nas telas ao lado da artista sueca

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