O Estado de S. Paulo

‘Tenho 75 anos de banco. Renovação é inevitável’

Lázaro Brandão, ex-presidente do Conselho de Administra­ção do Bradesco

-

Lázaro de Mello Brandão começou a trabalhar na Casa Bancária aos 16 anos de idade. Dois anos depois, ela viraria Bradesco. Ontem, aos 91, ele entregou sua carta de demissão. Em entrevista a Sonia Racy, Brandão afirma que “faria tudo igual” e que renovação é “inevitável”: “Eu sou o segundo presidente do Conselho. Então...”. Sobre o País, o executivo diz acreditar na recuperaçã­o da economia, classifica Fernando Henrique como o melhor presidente e afirma que o Plano Cruzado foi o que deu a maior dor de cabeça aos bancos.

Lázaro de Mello Brandão, que ontem entregou sua carta de demissão na reunião de conselho do Bradesco – conforme antecipado pela coluna no Broadcast – tem mais anos de instituiçã­o financeira do que o próprio Bradesco de vida. Começou a trabalhar há 75 anos na Casa Bancária, predecesso­ra do banco, como escriturár­io. Tinha 16 anos. Este ano o Bradesco faz... 73.

Na carta, chama a atenção o título: Profissão de Fé. No segundo parágrafo, o discreto e tímido banqueiro, de 91 anos, assume: “Com o ego à flor da pele, perpasso em minha memória vida de jornada no Bradesco”. Lenda do mercado financeiro nacional, Brandão classifica Amador Aguiar como “mítico”. Afinal, foi unha e cutícula com o fundador do Bradesco e ambos, nesses anos todos, foram os únicos que ocuparam a cadeira de presidente do conselho do banco. O sucessor, como já estava previsto, é Luiz Carlos Trabuco, presidente executivo, com 48 anos de casa. Vai acumular os dois cargos.

Brandão, na conversa, sorriu ao ser perguntado sobre a fama da instituiçã­o, “quase religiosa”. Afirma que isso ficou para trás – e até brinca com a época em que cada funcionári­o tinha que fazer uma carta de próprio punho, todo fim de ano, assegurand­o os seus propósitos. Lembra que o Bradesco foi quem começou primeiro a usar computador, o primeiro a ter cartão de crédito.

Mas acha correto, em linha com a tradição do banco, que os oito membros do conselho sejam “bradesquia­nos”. Ele classifica FHC como o melhor presidente que o Brasil já teve e aponta o Plano Cruzado como o que deu a maior dor de cabeça aos bancos. “O real foi fácil”, compara. Aqui vão os principais momentos da entrevista de quase uma hora, feita na sede do banco, na Cidade de Deus.

O senhor está no banco há quantos anos?

De banco, tenho 75 anos. Mas o Bradesco tem 73. Comecei em 1.º de setembro de 1942, como caixa bancário. É um exagero de vida trabalhand­o assim, né?

Foi difícil a decisão de deixar o conselho depois de uma vida inteira no banco?

Deixar a presidênci­a do conselho foi, sim. Eu saio e só fi- co nas presidênci­as da Fundação Bradesco e da Cidade de Deus Participaç­ões.

O que o levou a tomar essa decisão?

Acho que se trata de uma renovação inevitável. Da vida. Eu sou o segundo presidente do conselho. Então...

O Bradesco só teve dois presidente­s de conselho em toda sua existência?

Sim, Amador Aguiar e eu. Nós transporta­mos para o conselho os fundamento­s de renovar forças, novos ritos, novas propostas. E isso tem que continuar.

Quem o senhor escolheu para substituí-lo?

O atual vice do conselho, o ( Luiz Carlos) Trabuco, nosso presidente executivo. Uma escolha natural. Não teve pesquisa.

Será que ele não teria que ter um pouco mais de tempo para conhecer o banco?

Hahaha! Vou falar isso pra ele... Ele está há 48 anos no banco, está bem para a idade. E tem força natural.

O senhor acorda todo dia e vem para o banco. Pretende agora mudar a sua rotina? Ligeiramen­te. Chego às 7 horas, talvez eu venha mais tarde. Uns 15 minutos mais tarde... Aí poderei sair um pouco mais cedo. Coisas que a família acha que seria razoável. Quantas pessoas tem o conselho hoje? Oito. É pouca gente. São todos egressos dos quadros do banco.

Como o Bradesco sobreviveu a todos esses anos de crise do País? Com empenho de ajudar o Brasil, dar a sua participaç­ão. Mas nós somos, sobretudo, um banco doméstico. Temos agências lá fora só para apoio dos nossos clientes. O Brasil interessa sobremanei­ra para o banco. Ele está em todo canto.

Alcança mais municípios que o Banco do Brasil, não é isso? Mais. A concorrênc­ia surpreende­ntemente não tomou esse caminho no sistema online. Nós temos nesse sistema 39 mil correspond­entes.

Vocês nunca pensaram em ir para o exterior?

Para explorar, não. Temos para apoio de operações.

O seu maior concorrent­e na área privada entrou na América Latina inteira. Vocês algum dia avaliaram fazer o mesmo? Sempre achamos que isso des- viaria muito da nossa intenção de unidade, dos objetivos.

Indo para o futuro. O senhor viveu todos as fases deste banco e do Pais. Quais foram os momentos mais difíceis e os que lhe deram mais satisfação?

Bom, fundamenta­lmente quando veio o Plano Cruzado. A inflação batia recordes mas ela criava um floating. Um dinheiro que ficava sem ser utilizado e era uma fonte importante para o banco, nós trabalháva­mos com isso. Não que o banco quisesse inflação, mas ela existia. O momento mais crítico foi quando veio o Plano Cruzado porque, com ele, a inflação desaparece­u e o floating do sistema financeiro também. Os bancos, antes disto, não cobravam tarifas dos clientes. A inflação supria este custo. Tínhamos margem para sobreviver sem tarifa. Até implementa­r as tarifas e repor as coisas cada uma em seu lugar, tivemos um pe- ríodo de resultados financeiro­s muito estreitos. Cortamos despesas para compatibil­izar com o faturament­o. Fechamos 500 agências. Foi um choque em relação à rotina. Mas nós enfrentamo­s. Quando veio o Plano Collor, que subtraiu a poupança, também tivemos um choque grande. Enfrentamo­s então a ira do poupador. Esses foram os dois choques de impacto. O Cruzado e o Collor.

O Plano Cruzado foi mais difícil que o Plano Collor?

Sim, foi mais grave e teve mais impacto para nós. Sem floating, as receitas encolhiam e as despesas continuava­m estáveis.

O senhor acreditava que a conversão da URV, no Plano Real, iria dar certo? A população iria trocar CR$ 2,750 por um real? Achei que fazia sentido. A conversão foi uma sofisticaç­ão, mas isso era algo paralelo e não a essência.

Olhando o futuro, o que o sr. acha da desbancari­zação do sistema financeiro?

É relativo porque o que tem hoje é o digital e o banco tem um ganho de produtivid­ade indiscutív­el com o avanço da tecnologia. Isso repõe outras margens que desaparece­ram e gera um equilíbrio.

O Bradesco tem o maior número de agências e isso tem custo alto. Vocês têm um plano de transforma­ção dessa capilarida­de?

É questão de adaptação. Isso foi sendo reajustado. O trabalho nas agências foi simplifica­do. Lembre-se que nosso forte é o varejo. Que não é alcançado.

Vamos falar de política. O senhor acredita que o governo Temer vai se manter até o fim? Acredito. O primeiro teste sobre sua permanênci­a já foi feito.

O senhor, que acompanhou o Brasil todos esses anos, acredita que a Lava Jato vai acabar com a corrupção no País?

Pelo menos vai trazê-la para níveis não tão estupendos como hoje, uma coisa de proporções gigantesca­s. Vai vacinar o Brasil.

Vacinar como?

Fazer com que não seja tão alarmante. Isso vai acabar.

É algo da nossa cultura?

É um despreparo do cidadão, do empresário, mas que está se conscienti­zando de que não vale a pena. Essas prisões e tudo, são lições, né?

Como é que o sr. está vendo as eleições de 2018?

Está muito impreciso, porque se mexe na composição política, se tem financiame­nto, parece que não terá… Há muitas incógnitas ainda, muitas…

O senhor acha que há possibilid­ade, como na França, de aparecer alguém novo, de fora do sistema, e vencer o pleito? Alguém que ainda não apareceu? Vamos depurar, mas dentre os que já estão na prática. Não creio em pessoa nova até lá.

Henrique Meirelles se colocou como candidato. Alguém com o perfil dele tem chance? Depende do êxito do trabalho dele. Da economia.

Qual foi o melhor presidente que o Brasil já teve?

O FHC me parece que teve um comportame­nto ajustado.

Foi um ponto fora da curva? Acho que sim.

Como é que está vendo hoje a economia brasileira? Patinando.

Tem perigo de voltarmos para trás e haver uma piora? Não.

O sr. acha que a economia descolou da política? Ligeiramen­te.

Mas não totalmente? Não, totalmente não.

O senhor tem tido notícias de interessad­os em investir novamente?

O Brasil ainda tem credibilid­ade no exterior. A China não está pondo dinheiro à vontade aqui?

Mas a China sempre arrisca, comprará metade da África. Há interessad­os fora a China? Sim.

O que o senhor acha da queda dos juros?

Para a economia, é fundamenta­l. Os bancos têm que se recompor e por certo haverá uma menor inadimplên­cia, que será fundamenta­l.

Mas menor ganho também, né? Como foi a história de quando Amador Aguiar foi procurar o Walther Moreira Salles para fazer uma fusão, nos anos 70. Por que não andou? O Bradesco sempre teve comando próprio de decisões. No protocolo que foi assinado, se dava a presidênci­a do conselho para o Walther Moreira Salles. Era mais capitaliza­do. Feito o protocolo, criaram duas comissões, aqui e lá, para detalhar o processo. Nessas comissões havia recíproco desinteres­se. A comissão de cá não estava interessad­a, nem a comissão de lá ( risos). Não houve nem um árbitro pra bater na mesa. Se o Walther ou o Aguiar batesse na mesa...

O Bradesco não compra ativos financeiro­s que não pode controlar. Por quê?

A ideia de que o comando tem que ser unificado, mais apropriado do que dividido. Se você vai ter um companheir­o sócio que tem o poder mas pensa diferente, cria um embate que enfraquece um pouco a organizaçã­o.

O senhor é a favor do parlamenta­rismo?

Acho que não seria um bom sistema hoje em dia.

Que mensagem o senhor deixa para os mais jovens poderem acreditar no Brasil de novo?

Não há dúvidas quanto a isso, foi a sétima economia. Não há dúvida de que vamos retomar a economia do País. O nosso agronegóci­o é uma lição para o mundo.

O que o senhor teria feito diferente na vida profission­al? Nada.

É necessário ter Caixa e BB? Não, é um erro tático, não tem sentido. O BB devia incorporar a atividade da Caixa, ele teria um ganho de produtivid­ade, de vantagens. Ficam duas políticas financeira­s, são distintos os trabalhos de um e outro.

E o BNDES?

O BNDES é repassador, é uma outra coisa.

Mas é necessário? É necessário.

O senhor foi feliz aqui? Muito.

‘ACREDITO QUE A OPERAÇÃO LAVA JATO VAI VACINAR O BRASIL’

Qual seu sonho agora?

A Fundação, que é um trabalho que merece respeito.

 ?? IARA MORSELLI / ESTADÃO ??
IARA MORSELLI / ESTADÃO
 ?? FOTO IARA MORSELLI / ESTADÃO ??
FOTO IARA MORSELLI / ESTADÃO
 ?? ACERVO BRADESCO ?? Cidade de Deus, 1980. Amador Aguiar, à direita, com Lázaro Brandão, na passagem do comando da diretoria.
ACERVO BRADESCO Cidade de Deus, 1980. Amador Aguiar, à direita, com Lázaro Brandão, na passagem do comando da diretoria.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil