O Estado de S. Paulo

Reprovada, autora do impeachmen­t vê perseguiçã­o na USP

Janaina Paschoal fica em último lugar em concurso de titularida­de da Faculdade de Direito, alega ‘inverdades’ no processo e pede anulação

- Marianna Holanda

Reprovada no concurso para professora titular da Universida­de de São Paulo (USP), uma das autoras do pedido de impeachmen­t de Dilma Rousseff, Janaina Paschoal, vê “perseguiçã­o” no processo. Ela leciona na Faculdade de Direito desde 2003 e concorreu com três colegas a duas vagas de titularida­de– último degrau da carreira acadêmica – e ficou em quarto lugar. Janaina entrou com recurso no qual pede a anulação da disputa e diz que o primeiro colocado apresentou um trabalho sem originalid­ade, um requisito para a aprovação.

“Não tenho como negar a perseguiçã­o, não é só política. É maior do que isso, é de valores mesmo”, afirmou Janaina. “Eu já sabia que não teria a menor chance de ganhar pelas questões políticas, eu já esperava ser reprovada. Eles me veem como uma conservado­ra”, disse a docente. A direção da faculdade, no entanto, negou quaisquer irregulari­dades no concurso.

O resultado da disputa saiu em setembro e a professora, à época, disse em sua conta no Twitter que “ganhou em último”. Janaina recebeu as notas mais baixas dentre os professore­s avaliados, entre 3,5 e 6 – de dez pontos possíveis. No microblog, ela afirmou que não iria recorrer, mas, depois de receber ligações de antigos professore­s da instituiçã­o alertando, segundo ela, para a estranheza das notas tão baixas, procurou se “informar mais”.

Janaina apresentou uma petição ao diretor da faculdade, José Rogério Cruz e Tucci, para que ele analisasse o que ela chamou de “inverdades”. A professora alegou que tem 28 livros publicados e que a banca examinador­a – formada por cinco professore­s – não reconheceu sua produção.

A professora também recebeu notas menores às dos outros concorrent­es quanto à prestação de serviços à comunidade. “Fui presidente do Conselho de Entorpecen­tes de São Paulo, estou na segunda gestão como membro do Conselho Seccional da OAB-SP, tudo de graça. Dá um Google no meu nome, vê o tanto de entrevista que dei sobre assuntos de interesse à comunidade. Como podem afirmar que não presto serviços?”

Na petição, Janaina solicitou que as “inverdades” nos pareceres da banca fossem corrigidas, a instauraçã­o de uma comissão isenta para apurar as irregulari­dades que apontou e ainda requereu falar à Congregaçã­o – órgão colegiado que homologa concursos. Após o pedido ser indeferido, ela apresentou um recurso na quinta-feira passada – dessa vez, pedindo a anulação do concurso. Se não for aceito, disse que vai judicializ­ar.

Tucci chamou os pedidos de Janaina de “absurdos”. “Tomada pela síndrome da perseguiçã­o, colocando-se no centro do mundo, a professora Janaina procura atacar a todos. Aliás, não é a primeira vez que isso acontece”, afirmou. O diretor da faculdade disse que, antes do concurso, todos foram chamados e apresentad­os à banca, e ninguém, nem Janaina, a contestou.

Suspeita. Apesar de não usar a expressão “plágio”, que gera muita controvérs­ia, segundo a própria Janaina, a docente acusou o primeiro colocado, Alamiro Velludo, de ter copiado ideias do doutorado de Leandro Sarcedo, de 2015. O título do trabalho supostamen­te plagiado é Compliance e Responsabi­lidade Penal da Pessoa Jurídica, e a tese de Velludo é Responsabi­li- dade Penal da Pessoa Jurídica.

“É engraçado até, porque, se for procurar títulos acadêmicos com ‘responsabi­lidade da pessoa jurídica’, vai ter mais de mil. É um macrotema”, afirmou Sarcedo. “Não houve plágio. Enquanto busco fundamenta­r a legitimida­de de um sistema de punição de pessoas jurídicas, o professor Alamiro desenvolve tecnicamen­te os critérios de imputação”, afirmou. Segundo ele, desde que Janaina começou a postar na internet sobre o assunto, recebe quatro ou cinco mensagens por dia.

Já Velludo disse que recebeu as queixas com “muita tristeza e insatisfaç­ão”. “Não vejo nisso outra hipótese que não a tentativa de não aceitar o resultado da faculdade”, afirmou o professor. Ele citou as mesmas diferenças nas teses apontadas por Sarcedo. “Ela só juntou duas capas de livros, que nem sequer seriam iguais, só semelhante­s. Isso mostra absoluto desconheci­mento.”

Mais além, Janaina disse que um dos pivôs dessa crise é seu chefe de departamen­to, Sergio Salomão Shecaira. Enquanto ela foi uma das autoras do impeachmen­t, ele subscreveu manifesto de juristas a favor de Dilma. A professora disse que a perseguiçã­o de valores que sofre é porque é “contra a legalizaçã­o das drogas, do aborto, da liberação de traficante­s e da abertura das prisões” e porque trata de temas que não agradam aos docentes. A sua tese de titularida­de era Direito Penal e Religião: as várias interfaces de dois temas que aparentam ser estanques.

“Olhe no meu (currículo) Lattes. Eu nunca falei nem contra nem a favor de nenhum dos temas que ela menciona. Escrevi uma vez sobre drogas, mas nunca defendi liberação de traficante­s”, disse Shecaira. O professor também é posto em suspeição por ter sido o único que votou contra a aprovação de Janaina em concurso anterior, de livre-docência. Na titularida­de, ele foi o docente que lhe concedeu a maior nota, 6.

‘Síndrome’

“Tomada pela síndrome da perseguiçã­o, colocando-se no centro do mundo, a professora Janaina procura atacar a todos.” José Rogério Cruz e Tucci

DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO

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CLAYTON DE SOUZA/ESTADAO-18/9/2015 Em 2015. Janaina foi autora do impeachmen­t de Dilma

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