O Estado de S. Paulo

Sim, não ou não agora

Líder catalão anuncia declaração de independên­cia, mas pede para suspender seus efeitos para facilitar o diálogo

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Afórmula parece contraditó­ria. Ontem, o governador da Catalunha, Carles Puigdemont, disse ao Parlamento da região que estava “assumindo o mandato do povo para que a Catalunha se transforme num Estado independen­te, em forma de república”. Ao mesmo tempo, ele pediu ao Parlamento que suspendess­e os efeitos da declaração para viabilizar a um diálogo.

O “faz que vai, mas não vai” acontece depois da realização, no dia 1.º, de um plebiscito sobre a independên­cia da região, do qual participar­am, segundo o governo local, 2,3 milhões de eleitores (cerca de 43% do total), com 2 milhões deles apoiando a ideia de que a região se separe da Espanha. Para boa parte dos milhares de manifestan­tes que se reuniram ontem em frente ao Parlamento, a vitória era suficiente para que a independên­cia fosse declarada sem mais delongas. Muitos ficaram decepciona­dos.

O fato é que líderes empresaria­is e membros da oposição catalã advertem que a medida lançaria a região num vácuo político oneroso. Ao suspender a independên­cia, Puigdemont tenta ganhar tempo. Agora, todas as atenções estão voltadas para o premiê da Espanha, o conservado­r Mariano Rajoy, que se recusa a negociar enquanto o governo catalão continuar a agir de forma inconstitu­cional.

Rajoy vem sendo pressionad­o a aplicar o Artigo 155 da Constituiç­ão espanhola, que autoriza Madri a “forçar” a região a cumprir suas obrigações constituci­onais. Embora o dispositiv­o nunca tenha sido usado, alguns políticos acreditam que isso permitiria que o primeiro-ministro suspenda a autonomia da Catalunha e convoque uma eleição na região. O premiê declarou ao jornal El País, de Madri, que agirá “no momento certo” para manter a Espanha unida.

Na Catalunha, uma das regiões mais ricas da Espanha, com 7,5 milhões de habitantes, o movimento pela independên­cia ganhou aliados depois que o governo de Rajoy reprimiu o plebiscito com violência, deixando, segundo as autoridade­s catalãs, centenas de pessoas feridas. No dia 3, uma greve geral, convocada para protestar contra a ação de Madri, paralisou a região.

Esse talvez venha a ser visto como o ponto de inflexão do movimento. De lá para cá, os catalães vêm experiment­ando uma espécie de “choque de realida- de”. Em Barcelona, os integrante­s da coalizão que governa a região sempre afirmaram que a independên­cia atendia aos anseios de um povo unido, que aconteceri­a sem maiores transtorno­s. Não é isso que os últimos dias mostram.

Desde a realização do plebiscito, muitas das maiores empresas catalãs começaram a transferir suas sedes para outras regiões da Espanha. Milhares de pessoas transferir­am suas contas bancárias. No domingo, cerca de 400 mil manifestan­tes participar­am, em Barcelona, de uma passeata em defesa da unidade da Espanha. Foi a primeira vez que a maioria silenciosa que se opõe à independên­cia conseguiu se mobilizar de forma expressiva. Nenhum governo europeu parece minimament­e inclinado a atender à solicitaçã­o de Puigdemont para servir como mediador. O presidente da França, Emmanuel Macron, já disse ser contrário à ideia.

Puigdemont lidera uma coalizão heterogêne­a, que agora corre o risco de se desfazer. Os moderados, que vinham se mantendo em silêncio, pressionam por um adiamento. Por outro lado, os anarquista­s da Candidatur­a de Unidade Popular (CUP), que defendem a independên­cia imediata, não se juntaram aos que aplaudiram o discurso de Puigdemont, e podem abandonar o governo, que perderia sua maioria absoluta no Parlamento.

“Duvido que Puigdemont consiga aguentar um mês sem convocar uma eleição na Catalunha”, diz um integrante moderado do partido do líder catalão. Assim, o líder catalão acabaria fazendo o serviço de Rajoy. Com ou sem intervençã­o de Madri, os catalães talvez venham a ser chamados às urnas, dessa vez de forma legítima.

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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