Em Buenos Aires, celebração de ‘título’
Lionel Messi faz três gols e classifica a Argentina para a Copa de forma histórica. Em seu país, o povo foi às lágrimas
Os argentinos comemoraram a classificação para o Mundial do ano que vem como se fosse um título. A vitória por 3 a 1 sobre o Equador veio com uma das maiores atuações de Lionel Messi pela seleção da Argentina. O craque, eleito cinco vezes o melhor jogador do planeta, mais uma vez fez história. Torcedores foram ao Obelisco, cartão-postal de Buenos Aires, para celebrar o fim do sufoco e os carros buzinaram nas ruas. Clientes e garçons se abraçaram nos restaurantes. Os hermanos estão na Copa.
O Obelisco virou símbolo da festa. Depois de exibir um tom rosa, em referência ao movimento de combate ao câncer de mama – Outubro Rosa –, ele virou azul e branco no final do jogo com o Equador.
O êxtase não se deve apenas aos exageros da alma portenha. Após campanha sofrível, a pior da história, troca de treinadores e ataque inoperante, a Argentina correu sérios riscos de ficar fora do Mundial pela primeira vez desde 1970. A seleção que vive um jejum de títulos desde 1993 e amarga três vice-campeonatos encontrou ontem sua redenção. “Vamos à Rússia”, gritava um grupo de torcedores.
A “final”, como foi tratada pela imprensa, mexeu com a rotina da cidade. Na hora do jogo, as vitrines dos bares viraram pequenas arquibancadas. Cada TV no centro de Buenos Aires, por menor que fosse, virou um ponto de concentração. A pizzaria Banchero foi um ponto de encontro. Quem ficava sem jeito de entrar só para ver o jogo, encostava o nariz no vidro, do lado de fora mesmo, procurando uma das três tevês disponíveis. O eletricista Mauricio Teves pintou o rosto, como na época da Copa, e levou uma bandeira para o Obelisco.
As dores do futebol não se comparam. São únicas. Mas o
1. gol do Equador, com menos de um minuto de jogo, provocou um silêncio comparável ao da final da Copa do Mundo no Maracanã. Torcedores argentinos atônitos e mudos, algo impensável para o povo que se tornou um exemplo do modo apaixonado de torcer nos estádios da América Latina.
Messi, que não fazia dois gols em uma Eliminatória desde 1993, resolveu a angústia ainda no primeiro tempo. Empatou e depois fez o segundo com dois golaços. O torcedor Juan Miguel Palacios elogiou a raça do camisa 10, algo difícil na história do jogador na seleção.
O país esperava que a salvação viesse mesmo pelos pés de Messi. A Afa (Associação de Fu- tebol Argentino) instalou um gigantesco painel luminoso na capital. Ao lado de um Messi de braços abertos, a inscrição “É hora de alentar a seleção. Eu amo a seleção”. Alentar é o mesmo que encorajar, dar força. Messi, agora, está ao lado Obelisco azul e branco.
Houve uma corrente de esperança. Os canais esportivos exibiram, ao longo do dia, mensagens de apoio de jogadores que participaram da campanha, como os são-paulinos Buffarini e Pratto, além de Pastore e Demichelis. No centro da cidade, o vendedor Pablo Vicari anunciava chips e celulares e emendava: “Será 1 a 0 com Messi”.
A “final” mexeu com a vida das pessoas. Ao longo do dia, o Estado ouviu expressões intensas como “orgulho da Nação” e “deixar a alma no gramado” dos torcedores nas ruas. Parece exagero, mas tudo isso são coisas que os portenhos falam normalmente, inclusive aqueles que se
espremem na estação Constituición na hora do rush. “Esse time é o suplente do Equador. Não é o Brasil”, comentou o bancário Alexis Valderraga.
Até os estrangeiros perceberam o tamanho da encrenca. A banda irlandesa U2 atrasou em uma 1h30 seu show no Estádio Único de La Plata. Os telões do jogo, localizados dentro do estádio, ficaram sintonizados no jogo de Quito. Só depois, o show começou e se transformou na festa oficial pela classificação. No mesmo Banchero, um grupo de estudantes francesas que fazem intercâmbio em Buenos Aires torceram com as camisas da Argentina. O culto a Messi não tem fronteiras.
Culto, esperança, mas não havia certeza da classificação. Poucas camisas azuis e brancas foram vistas ao longo dia. E quase não há certeza, surge a superstição. Juan Miguel, ele não quis dar o nome todo, mostra uma mensagem de Whatsapp que dizia que Adidas, Putin e a Fifa não ia permitiam que Messi ficasse fora da Copa. Fariam alguma coisa para salvá-lo. Nem precisou de conspiração.
Messi sorriu e deu entrevistas. Coisa rara. “Ele nos fez lembrar Diego. Foi como um deus”, completou o torcedor Palacios, cortando a última fatia de pizza.