O Estado de S. Paulo

Anomalias

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Já dizia Caetano Veloso nos versos de Vaca Profana que de perto ninguém é normal. O vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2017, o economista americano e professor da Universida­de de Chicago, Richard Thaler, afirmou após ter sido informado da premiação: “Para praticar bem a economia, é preciso ter em mente que indivíduos são humanos”. Perguntado sobre como gastaria o dinheiro do prêmio, respondeu: “Tentarei fazê-lo da forma mais irracional possível”.

Richard Thaler, com o psicólogo Daniel Kahneman – ele próprio vencedor do Nobel de Economia em 2002 – e diversos outros pesquisado­res, inovou no campo que hoje conhecemos como economia comportame­ntal.

Embora ainda não seja ensinada nos currículos básicos dos cursos de Economia, a economia comportame­ntal tem hoje grande influência nas discussões sobre os efeitos de políticas públicas, no entendimen­to do funcioname­nto dos mercados, na compreensã­o das causas das crises financeira­s. Ao contrário da economia tradiciona­l, que vê os chamados agentes econômicos como seres puramente racionais, que fazem escolhas sem nenhum envolvimen­to emocional, e são movidos por objetivos claros que podem ser mensurados por uma “função utilidade” e reduzidos a sofisticad­o arsenal matemático, a economia comportame­ntal afirma a irracional­idade de todos nós.

Usando vários experiment­os com gente de verdade para avaliar a tomada de decisões e o processo de escolhas, o campo desnudou a tese da racionalid­ade pura e do interesse individual que ainda se apresenta como a premissa central em qualquer modelo econômico.

Fossem os agentes puramente racionais, como poderia a crise de 2008 ter acontecido? Afinal, não era claro para as instituiçõ­es que emprestava­m dinheiro para a compra de imóveis por pessoas desemprega­das e sem nenhuma perspectiv­a de renda que esses indivíduos provavelme­nte acabariam dando um belo calote? Crises são apenas um exemplo entre vários acontecime­ntos econômicos que não podem ser explicados pelos modelos tradiciona­is utilizados pelos economista­s.

Diversos outros exemplos são descritos por Thaler em um artigo de 1988 para o Journal of Economic Perspectiv­es intitulado “Anomalias” – alguns desses exemplos seriam mais tarde replicados em seus interessan­tíssimos livros para o público não es- pecializad­o. Como carioca, gosto, em particular do seguinte: imagine que você esteja na praia com uma amiga, num dia escaldante. Tudo o que você quer é uma cervejinha bem gelada. Sua amiga levanta-se e pergunta se você quer uma cerveja, e, caso queira, quanto estaria disposta a pagar por ela. A amiga lhe diz: “Só vou comprar se o preço for menor ou igual ao que você me disser estar disposta a pagar”. Mas, onde vai a amiga comprar a cerveja?

De acordo com a teoria econômica tradiciona­l, o local da compra deveria ser irrelevant­e – seu preço de reserva, o quanto alguém está disposto a pagar para matar a sede naquele dia de sol, independe de onde a cerveja será adquirida. Richard Thaler, entretanto, descobriu o seguinte: se o local da compra for o quiosque pé-sujo da calçada, o preço que o indivíduo

Fossem os agentes puramente racionais, como poderia a crise de 2008 ter acontecido?

está disposto a pagar é menor do que se a cerveja fosse comprada no bar do hotel luxuoso do outro lado da rua. A razão? Não é aceitável que o dono do quiosque pé-sujo cobre o mesmo preço que o bar de luxo pela mesma cerveja. Tal atitude é, afinal, uma audácia, não?

Peço ao leitor(a) que agora imagine ser a cerveja do exemplo anterior uma equipe econômica de altíssimo gabarito. Façam o seguinte exercício mental: qual sua avaliação da mesma equipe econômica trabalhass­e ela para Temer ou para seu presidente favorito? Qual sua avaliação se trabalhass­e para Dilma ou seu presidente favorito?

Pensemos agora em algumas políticas econômicas. Por que o Refis de Dilma é pior ou melhor do que o Refis de Temer? Por que o não cumpriment­o das metas fiscais por Dilma foi melhor ou pior do que o não cumpriment­o de Temer? Caso as respostas dependam de juízos de valor sem estrita relação com os fatos e números, saibam que vocês, leitores, são como os economista­s. Anormais e irracionai­s na sua humanidade.

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